Ficha do Proponente
Proponente
- Carla Italiano (UFMG)
Minicurrículo
- Doutoranda em Comunicação Social pelo PPGCOM/UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Comunicação Social pela mesma instituição, graduada em Cinema pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Trabalha com curadoria de mostras e festivais de cinema.
Ficha do Trabalho
Título
- Autobiografia e Interseccionalidade em “Privilégio” de Yvonne Rainer
Seminário
- Mulheres no cinema e audiovisual
Resumo
- Tendo como objeto o longa “Privilégio” (1990) da artista estadunidense Yvonne Rainer, a presente proposta é guiada por duas frentes de investigação interconectadas: analisar os modos de inscrição fílmica de um “eu” que é autora e sujeito da própria obra, com as implicações decorrentes dessa dupla incidência; investigar a influência de teorizações do chamado feminismo interseccional no filme, atentando para o complexo tratamento das diferenças e subjetividades em operação na obra.
Resumo expandido
- Vivemos um momento ímpar para os estudos de gênero no Brasil. Um período marcado por debates e demandas advindos das mais diversas esferas, que ultrapassam o escopo da universidade e permeiam o debate público cotidiano. No universo do cinema isso é evidente: com a crescente publicação de textos que investigam a participação das mulheres à frente e atrás das câmeras; com mostras e festivais questionando publicamente os seus critérios de valoração ao responderem a demandas incontornáveis por representatividade; e com o aumento expressivo de filmes brasileiros dirigidos por mulheres, sobretudo os que transformam o corpo da cineasta em imagem e escancaram, em práticas coletivas ou individuais, os seus vínculos com conceitos e ativismos de viés feminista.
Instigadas por esse cenário brasileiro, consideramos importante olhar para filmes e artistas de outros contextos que podem operar como contraponto produtivo para a atualidade. Nesse sentido, elencamos o longa Privilégio (1990), da artista e coreógrafa estadunidense Yvonne Rainer, como objeto de análise. Rainer (nascida em 1934) já possuía uma trajetória consolidada no campo da dança quando começou a experimentar com o cinema ainda na década de 1970. Privilégio é seu sexto filme, realizado quase vinte anos após os primeiros trabalhos. Seu mote é discorrer sobre a menopausa, tema historicamente mais que invisibilizado no cinema, por meio de diversas frentes de enunciação em uma concatenação marcadamente ensaística. Sua heterogeneidade é notória: o longa amarra entrevistas (reais?) de mulheres que vivenciaram a menopausa (incluindo a diretora), encenações pautadas por um distanciamento brechtiano e anti-ilusionista, referências bibliográficas escritas na tela de um computador e a presença da própria cineasta a intervir nas cenas. Uma das sequências centrais mostra um diálogo entre duas mulheres, ambas no processo de menopausa: uma delas, branca, coreógrafa, da idade da diretora, rememora episódios da sua juventude e os vizinhos de outrora; a outra, negra, de nome Yvonne, interpela e questiona sua interlocutora sobre os privilégios raciais que permeiam as histórias rememoradas/encenadas. O que resulta daí é uma obra formalmente desafiadora sobre o envelhecer e as relações assimétricas de poder entre mulheres, evocando questões ligadas a gênero, sexualidade, classe e raça nos Estados Unidos na passagem para os anos 1990. Lançando mão de procedimentos disruptivos de um “contra-cinema” (JOHNSTON, 1973) impressos em sua tessitura, o longa aponta como o privilégio não é algo estratificado e sim sempre em movimento, deslocando-se de maneira distinta de acordo com determinadas conjunturas e distribuições específicas de poder. As questões que surgem daí estão ligadas à posicionalidade de “quem fala?”, ou ainda à ética do “por quem se fala”, acerca de determinadas questões e vivências que envolvem uma categoria macro de “mulher”.
Assim, essa proposta de comunicação é guiada por duas frentes de investigação interconectadas. A primeira pretende analisar em Privilégio a inscrição de um eu que é autora e sujeito do próprio filme, com as implicações decorrentes dessa dupla incidência. Não se trata exatamente, ou não apenas, de um cinema de caráter pessoal, mas um que assuma e sublinhe o seu viés autobiográfico como impulso criador e fator constitutivo. Nesse filme o sujeito é um “eu” fragmentado, decomposto nas várias vozes das mulheres que compõem as encenações e os testemunhos “documentais” – vozes muitas vezes contraditórias -, ao mesmo tempo em que permanece amarrado à inscrição autobiográfica da diretora que tudo concatena. Já a segunda frente intenciona investigar a influência de teorizações do chamado feminismo interseccional no longa de Rainer, atentando para o complexo tratamento das diferenças e da(s) subjetividade(s) engendrado pelo filme.
Bibliografia
- AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade?. Belo Horizonte: Letramento, 2018.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
BUTLER, Alison. Women’s Cinema: the contested screen. Londres: Wallfower Press, 2002.
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.
JOHNSTON, Claire. Women’s Cinema as Counter-Cinema. In: Notes on Women’s Cinema. Londres: Society for Education in Film and Television, 1973.
LAURETIS, Teresa de. Technologies of Gender: essays on theory, film, and fiction. Bloomington: Indiana University Press, 1987.
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico – de Rousseau à Internet. BH: Editora UFMG, 2008.
MULVEY, Laura. Prazer visual e cinema narrativo. In: XAVIER, Ismail. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.
OLNEY, James (org.). Autobiography: essays theoretical and critical. Princeton: Univ. Press, 1980.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.