Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriela Machado Ramos de Almeida (ULBRA)

Minicurrículo

    Gabriela Machado Ramos de Almeida é doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É professora e coordenadora adjunta do curso de Comunicação Social da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), em Canoas/RS, e coordenadora do Grupo de Pesquisa Estéticas, Políticas do Corpo e Gêneros da Intercom.

Ficha do Trabalho

Título

    Desejo feminino e política da imagem em Baise moi e As Filhas do Fogo

Seminário

    Mulheres no cinema e audiovisual

Resumo

    O trabalho aborda a política da imagem colocada em jogo em dois filmes dirigidos por mulheres que apontam uma recusa à feminilidade homogeneizada: Baise moi (Virginie Despentes) e As Filhas do Fogo (Albertina Carri). A partir de chaves distintas – de um lado a violência e do outro uma vivência lésbica orgiástica – são obras capazes de produzir rupturas nos modos enunciar o desejo feminino e, assim, devolver o dissenso, especialmente em seus modos de produzir representações audiovisuais do sexo.

Resumo expandido

    Essa proposta surge de um interesse crescente, enquanto mulher e pesquisadora, nas relações entre pornografia e políticas do corpo, que surgiu de questionamentos muito fundamentais quanto à minha recusa à pornografia mainstream. Da falta de clareza sobre as razões que me levavam a rejeitar esse tipo de representação audiovisual do sexo de forma tão atávica ao entendimento de que o incômodo se dava em função dos modos de usar e mostrar os corpos femininos e do apagamento de um lugar de sujeito político para a mulher nesses filmes, fui percebendo que me incomodava também o fato de que naquelas imagens parecia circular pouco ou nenhum desejo. Chamo aqui de pornografia mainstream aquela difundida na internet, composta por vídeos curtos, em torno de dez minutos, produzidos a partir de um padrão bastante heteronormativo: sexo heterossexual centrado no ato da penetração e performado por corpos jovens, brancos, magros e sem pelos (a exceção a isso em geral é classificada nesses sites como fetiche).
    O movimento de pensar nas relações entre feminismo, pornografia e política das imagens me fez acessar filmes dirigidos por mulheres, tanto no contexto de uma pornografia feminista de internet quanto no circuito de produção, circulação e consumo do cinema considerado “autoral”, e localizar obras que parecem dialogar com aquilo a que Jacques Rancière (2012, p. 100) se refere como “paisagem nova do possível”, composta por imagens que são políticas na medida em que contribuem para “desenhar configurações novas do visível, do dizível e do pensável”.
    Esse trabalho busca, então, abordar os limites e possibilidades de uma produção que pode ser compreendida a partir da ideia de feminismo lúdico em Paul B. Preciado (2007), que encontra no audiovisual, na literatura ou na performance seus espaços de ação e que seria capaz de operar como mecanismo de resistência às normatividades sexuais. Ou seja, uma produção que é política não apenas por reivindicar para si o direito de narrar o desejo feminino, mas também na medida em que é capaz de devolver o dissenso e fazer emergir daí um sujeito político, produzindo rupturas em “paisagens homogêneas, de concordância geral e assujeitamento” (MARQUES, 2014, p. 66)
    Muito diferentes em suas abordagens do que chamo aqui de recusa à feminilidade homogeneizada, os filmes “Baise-moi”, da escritora e cineasta francesa Virginie Despentes, e “As Filhas do Fogo”, da cineasta argentina Albertina Carri, nos convocam a pensar nas formas narrativas e estéticas a partir das quais as cineastas exercem um importante controle criativo sobre o repertório cultural que é evocado pelos seus filmes em função de suas temáticas. Em “Baise moi”, temos duas mulheres, uma delas prostituta e outra atriz pornô, que são submetidas a diversas situações de violência às quais reagem de formas que tensionam os papéis de gênero e desorganizam os imaginários relativos à mulher vítima de violência simbólica, sexual e física. Em “As Filhas do Fogo”, temos um grupo de mulheres que viaja de van pela Patagônia argentina em uma vivência lésbica orgiástica – não há homens em cena quase nunca, especialmente nas sequências de sexo explícito – em um filme que é reivindicado pela diretora como pornô feminista e que foi o primeiro do gênero a estrear nos cinemas no Brasil.
    Considerando, a partir de Rancière (2012, p. 96), que uma imagem nunca está sozinha e que “pertence a um dispositivo de visibilidade que regula o estatuto dos corpos representados e o tipo de atenção que merecem”, parece haver uma disposição importante, por parte das cineastas, em disputar e colocar sob tensão os imaginários hegemônicos relativos ao desejo feminino, constituindo o que Hito Steyerl (2010) chama de “desobediência epistêmica”, ou seja, formas de resistência a um poder/saber/arte “não apenas através da luta social e da revolta, mas também através da inovação epistemológica e estética.”

Bibliografia

    BERARDI, Franco. Generación post-alfa: patologías e imaginários en el semiocapitalismo. Buenos Aires: Tinta Limón, 2016.

    DESPENTES, Virginie. Teoria King Kong. São Paulo: n-1, 2016.

    MARQUES, Angela. Política da imagem, subjetivação e cenas de dissenso. Discursos fotográficos, Londrina, v.10, n.17, p.61-86, jul./dez. 2014.

    PRECIADO, Paul B. Mujeres en los márgenes. El País, 2007. Disponível em: https://elpais.com/diario/2007/01/13/babelia/1168648750_850215.html.

    RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2009.

    RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: WWF Martins Fontes, 2012.

    RANCIÈRE, Jacques. Nas margens do político. São Paulo: Lisboa, KKYM, 2014.

    STEYERL, Hito. ¿Una estética de la resistencia? La investigación artística como disciplina y conflito. Viena: European Institute for Progressive Cultural Policies, 2010. Disponível em http://eipcp.net/transversal/0311/steyerl/es/#ref.