Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Ramayana Lira de Sousa (UNISUL)

Minicurrículo

    Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem e do Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade do Sul de Santa Catarina. Vice-presidente da SOCINE.

Ficha do Trabalho

Título

    Formas do sexo lésbico no cinema narrativo

Seminário

    Mulheres no cinema e audiovisual

Resumo

    Sem apostar em uma teleologia a respeito do “progresso” na visibilidade lésbica no cinema e no audiovisual nas três últimas décadas, propõe-se a análise do sexo lésbico em filmes narrativos, buscando entender seus enquadramentos (estético e políticos). Explorando as várias formas de filmar o encontro sexual entre duas mulheres, desafiamos proposições que enfatizam o privilégio do olhar masculino e avançamos uma crítica feminista que problematiza a própria legibilidade da imagem da lésbica.

Resumo expandido

    Em 1993, Terry Castle descrevia um caráter “aparicional” da lésbica na literatura e no cinema. Fantasmática, elusiva, vaporosa, difícil de ser reconhecida, para Castle (1993, p. 2), a lésbica, mesmo quando em plena vista, é percebida como uma “aparição”. O modo de visibilidade descrito por Castle, fugidio, marginal, encontra resposta, ainda na década de 1990, na afirmação de B. Ruby Rich, que escreveu: “Não quero cometer o erro de cair naquela caixinha confortável da vítima, reclamando da ausência em meio à presença. Não somos mais invisíveis” (2013, p. 42). De forma sempre questionadora, a lésbica no cinema traz problemas que precisam ser abordados se pretendemos entender com maior amplitude a relação entre gênero, sexualidade, desejo e imagem cinematográfica. Como Castle reconhece, a dificuldade em ver a lésbica deve-se ao fato de que, efetivamente, ela foi tornada um fantasma, tornada invisível na cultura moderna, por representar uma ameaça ao protocolo patriarcal – a civilização ocidental há séculos se vê assombrada pelo medo da existência de “mulheres sem homens” (1993, p.4-5), indiferentes ou resistentes ao desejo masculino. Complementando o caráter “aparicional” discutido por Castle, teóricas do cinema como Patricia White (1999) e Julianne Pidduck (2003) apontavam, mais de duas décadas atrás, que a lésbica finalmente teria alcançado o campo do visível de forma definitiva, tornando-se parte do repertório de subjetividades e desejos que produzem e são reproduzidos no cinema.
    Se o regime do visível hoje nos permite um encontro muito menos raro com as lésbicas no cinema, tal regime nos exige instrumentos cada vez mais sofisticados para a análise das imagens. Os estudos de cinema precisam da fricção trazida por abordagens como as teorias queer, decolonial, crítica da racialização. Tais perspectivas nos colocam o desafio de pensar a lésbica no cinema para além de modos mais antigos de representação. A própria ideia de “lésbica” como categoria pode ser colocada em questão, ao mesmo tempo em que temos a percepção de que o lesbianismo é um produtivo ponto de partida cuja relevância precisa ser resgatada.
    É na tentativa de nos re-engajarmos com a “questão lésbica” no cinema que esta proposta busca contribuir para o entendimento de um desconcertante paradoxo: por um lado, as lésbicas são quase invisíveis, operando à margem da representação da heteronormatividade (e mesmo da homossexualidade masculina); por outro lado, essa mesma invisibilidade pode ser entendida como uma imagem, a imagem de uma latência ou de uma ausência, a cada instante pronta para ser (de)codificada. Na dobra desse paradoxo, temos a complicação de uma hipervisibilidade que pode ser relacionada a uma tentativa de domesticação da lésbica através de um enquadramento no desejo masculino, mas que, também, se dá a ver em uma complexidade que exige exame detalhado da linguagem cinematográfica usada para a sua construção. Optamos, nesse momento, por explorar os desdobramentos da visibilidade lésbica em um dos seus aspectos mais controversos: as cenas de sexo em filmes narrativos.
    Em uma abordagem possível, as imagens de práticas sexuais (explícitas em maior ou menor grau), podem ser vistas como composições de forças e afetos que rearrajam corpos e políticas. O sexo lésbico, como diz Heather Butler, desvela a impotência por trás do modelo fálico (2004, p. 169). Partindo da análise de uma série de imagens de sexo em filmes lançados nas duas última décadas, discutimos como as estratégias estéticas (o “velamento” dos corpos, a imagem borrada, a coreografia dos corpos, a pausa narrativa para a inserção do sexo) produzem diferentes tipos de relação entre desejo e imagem. O foco no ato sexual nos permite, ainda, explorar o que parece ser possível de imaginar e de tornar imagem em termos de uma sexualidade que, mais do que afrontar, mostra-se indiferente ao domínio masculino do olhar.

Bibliografia

    BUTLER, Heather. What do you call a lesbian with long fingers? The development of lesbian and dyke pornography. In: WILLIAMS, Linda. Porn studies. Durham: Duke UP, 2004.
    CASTLE, Terry. The apparitional lesbian: female homosexuality and modern culture. Nova York: Columbia UP, 1993.
    DYER, Richard; PIDDUCK, Julianne. Now You See It: Studies in Lesbian and Gay Film. 2da edição. Londres: Routledge, 2003.
    RICH, B. Ruby. New Queer Cinema: The Director’s Cut. Durham: Duke UP, 2013.
    WHITE, Patricia. Uninvited: Classical Hollywood Cinema and Lesbian Representability, Bloomington: Indiana UP, 1999.