Ficha do Proponente
Proponente
- Alessandra Soares Brandão (UFSC)
Minicurrículo
- Professora do PPGI e do curso de cinema da UFSC. Organizadora do Fazendo Gênero 12 – Direitos, Diversidades, Afetos. Pesquisadora permanente do IEG (Instituto de Estudos de Gênero) da UFSC.
Ficha do Trabalho
Título
- Bodylands: o entre-lugar da lésbica no cinema
Seminário
- Mulheres no cinema e audiovisual
Resumo
- O trabalho busca situar a figura da lésbica nos mapas dos feminismos em estudos de cinema. À heterossexualidade compulsória reconhecida desde os primeiros passos da teoria feminista do cinema, contraponho a ideia da lésbica como um ato político. Para além do problema de sua in/visibilidade, assumo o gesto de peregrinar pelas imagens do cinema para traçar as formas como a presença da lésbica resiste às estruturas de poder ativadas no corpo do filme, habitando um espaço que chamarei de bodylands.
Resumo expandido
- Este trabalho busca situar a figura da lésbica nos mapas dos feminismos para pensar como e onde reside o gesto político da subjetividade lésbica na narrativa cinematográfica. Partindo do conceito de borderlands de Glória Anzaldúa (2007), sugiro, na especificidade do campo do cinema, a noção de bodylands como um espaço liminar que carrega tanto a experiência de opressão quanto o respiro da imagem que a ela escapa. Um entre-lugar na paisagem audiovisual que abriga as construções de uma geografia do desejo lésbico entre a negação e a morte, mas que também enseja modos de desestabilizar a heteronormatividade dominante nos filmes. O que faz o corpo da lésbica na materialidade do corpo do cinema?
À heterossexualidade compulsória reconhecida desde os primeiros passos da teoria feminista do cinema, contraponho a ideia da lésbica como um ato político que escapa à ordem conservadora e normat/lizadora dos desejos tais como produzidos na narrativa cinematográfica. A lógica binária empreendida por Laura Mulvey para ler o cinema clássico hollywoodiano, por exemplo, expõe a base patriarcal que funda e sustenta a narrativa clássica. Na perspectiva de Mulvey, o jogo de visualidade que coloca a diferença sexual no cerne das operações de olhar (homem)/ser olhada (mulher) se dá de forma inescapável pelo modo mesmo como a narrativa clássica se constitui, como seus elementos produzem e existem a partir dessa diferença, propagando a ideologia patriarcal tanto no plano da representação, como em sua estrutura e no ato de se dar a ver a uma espectatorialidade (Bordwell, 277). Sabemos que o diagnóstico feminista de Mulvey refere-se primordialmente ao contexto da narrativa clássica consolidada em Hollywood, mesmo que esta tenha sido emulada em diversos outros contextos culturais e hoje ainda persista com todo conservadorismo, sobretudo no cinema mainstream. Logo, importa pensar o lugar (ou, antes, o não-lugar) da lésbica nesse jogo. Ora, se “a lésbica não é mulher” (32), como sustenta Monique Wittig, já que não participa do sistema heterossexual, que políticas extrair da presença da lésbica nesse cinema? Onde jaz o enredo da lésbica quando a estrutura narrativa é heterossexual?
Com Monique Wittig (1991) e Maria Lugones (2003), compreendo a subjetividade lésbica como um ato político. De forma objetiva, porque a lésbica desestabiliza a espinha dorsal da ideologia patriarcal, segundo a qual a mulher é subjugada ao homem, já que com este ela não se relaciona. Soma-se a isso o fato de que a própria teoria feminista, branca e eurocêntrica, constituída em torno de um sujeito mulher universal, não foi capaz de sair de si, de seu heterocentrismo, para reconhecer o lugar da lésbica e da mulher racializada. Além disso, a lésbica encerra uma sexualidade feminina rejeitada e temida justamente porque não é regulada pelo homem (Farwell, 33). Assim, resta à lésbica uma existência no cinema marcada pelo gesto de resistir à margem, ao mesmo tempo em que desafia de dentro a estrutura que a oprime.
Desse modo, sem deixar de reconhecer a problemática da in/visibilidade da mulher lésbica ao longo da história do cinema, mais comumente abordada do ponto de vista da representação, recorro às questões teóricas e estéticas em torno dessa in/visibilidade, com o intuito de mapear os modos como a presença da lésbica pode tensionar as instâncias de poder operantes nos filmes. Para isso, assumo o procedimento metodológico de peregrinar (Lugones) pelas imagens em movimento, tateando em busca de uma clandestinidade ativadora do desejo lésbico e, sobretudo, desafiadora de estruturas monádicas que não apenas invisibilizam a lésbica, mas promovem um jogo perverso de punição, seja por sua morte (exaustiva no cinema clássico), ou pela recusa de uma resolução narrativa de reconhecimento do amor lésbico (nas narrativas não industriais). Fadada ao desaparecimento antes mesmo de existir em toda sua potência, resta saber onde e como resiste a lésbica no cinema.
Bibliografia
- Anzaldúa, Gloria. Borderlands/La frontera: The new mestiza. San Francisco: Aunt Lute Books, 2007.
Bordwell, David. “O cinema clássico hollywoodiano: normas e princípios narrativos”. In: Ramos, Fernão. Teoria contemporânea do cinema – Documentário e narratividade ficcional. Vol.II. São Paulo: senac, 2005.
Farwell, Marilyn. Heterosexual plots & lesbian narratives. New York University Press, 2006.
Lugones, Maria. Pilgrimages/Peregrinajes: theorizing coalition against multiple oppressions. Rowman & Littlefield, 2003.
Mulvey, Laura. “Prazer visual e cinema narrativo”. In: XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Edições Graal/Embrafilme, 1983.
Wittig, Monique. The straight mind. London: Haverster, 1991.