Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriel Perrone Vianna (UAM)

Minicurrículo

    Doutorando em Comunicação (Universidade Anhembi Morumbi), mestre em Cinema e Audiovisual (Universidade Católica Portuguesa, 2014) e graduado em Comunicação Social: Rádio e Televisão (Unesp, 2004). É membro diretor da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-metragistas (ABDC-ES), professor das ações educativas da Federação Internacional de Cineclubes (FIC Brasil) e realizador de cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    A casa que Jack construiu em decomposição: entre agressão e crueldade

Resumo

    O estudo trata da análise fílmica sobre A casa que Jack construiu (The house that Jack built, 2018), do diretor dinamarquês Lars von Trier, através da sua elaboração narrativa em articulação aos conceitos das estruturas de agressão de Noel Burch e do Teatro da crueldade de Antonin Artaud. A investigação intende explorar as relações táticas de contato com o espectador no uso de estratégias do incômodo e desenvolver uma reflexão sobre os estados da espectatorialização da violência.

Resumo expandido

    A casa que Jack construiu (The house that Jack built, 2018), do dinamarquês Lars von Trier, traz uma narrativa violenta dos assassinatos cometidos pelo serial killer Jack (Matt Dillon). O protagonista busca defender a brutalidade e a morte como forma de arte e expressão política. Com diálogos satíricos e polemizantes, a obra discute valores morais e a violência na sociedade, propõe uma arte que, ao exibir o que já não existe, mata aquele sujeito ou instante que procura retratar, de acordo com sua potencialidade de ausentar o representado, sendo, portanto, funerária. Nesta função do exercício artístico, a casa corpórea de Jack pede o incômodo reconhecimento de ser, então, uma obra de arte. Trier, apresentando uma didática que se aproxima à pedagogia infantil, coloca o espectador em uma situação labiríntica e parece pedir para que este se posicione ante todos os recursos de manipulação que o cineasta domina (SIMONS, 2003).
    Ao tornar toda definição material e moral ultra flexível, ao banir qualquer rastro de humanidade, o filme propõe uma banalização dos horrores do mundo: o que se mostra é perturbador. Entretanto, a banalização da violência no filme dá indícios de não estar interessada em um simples efeito de choque, mas em uma reflexão sobre a artificialização dos princípios sociais. Se os seres humanos por si só são autodestrutivos contra si mesmos, por que a Arte também não poderia ser a destruição? A presente proposta de comunicação segue o percurso investigativo das táticas que promovem a desestabilização e o estranhamento no espectador, assunto abordado no encontro anterior, e integra o objeto de minha pesquisa de doutorado em andamento sobre um cinema que tem o incômodo como propósito. Alinhada à questão acima levantada, este estudo objetiva a análise das estruturas do filme de Trier ao retratar a violência desvelada. Para isso, tornam-se propícios à análise os conceitos acerca das estruturas de agressão de Noel Burch e o Teatro da crueldade de Antonin Artaud.
    Burch, sobre a representação da violência, defende que os horrores deste tempo, como parte integrante da dramaturgia da história do mundo, pode também integrar a forma representativa da dramaturgia da história do filme. Para o autor, o espírito contestador do artista pode assumir conotação política e significar crítica à violência e à injustiça dos homens, sendo, pois, uma componente poética necessária num momento preciso do filme (BURCH, 2015). A exposição da imagem atroz é concebida exatamente para assaltar as emoções, para criar um potencial traumatizante que convém ao princípio pretendido. “Pelo uso da violência e agressão sob todas as formas, as mais carregadas de emoção pura, são suscetíveis, apesar de tudo, de sublimação por meio da abstração formal, conservando sempre o pleno impacto emocional” (BURCH, 2015, p. 162).
    Antonin Artaud, por sua vez, em seu manifesto, expõe que o teatro pode praticar no espectador a crueldade terrível e necessária para servir à compreensão e que foi criado, em primeiro lugar, para nos ensinar (ARTAUD, 1976). Ao perceber que todos somos potencialmente capazes de agir com crueldade, cria as condições no modo de criação que estimula uma conduta crítica na qual entende que também somos aptos. “A violência no fundamento de todo espetáculo está a serviço de se utilizar da força expressiva do meio para provocar os resultados reflexivos almejados no público” (ARTAUD, 1976, p. 256). Este cinema através do filme em sua crueldade desnudada se alinha ao teatro proposto por Artaud quando nos faz questionar quem somos e nos induz à sensação de repulsa.
    Trier, tido como um radical em seus métodos, discute uma ambivalência na visualização: o horror ante as atrocidades do mundo ou a perda da capacidade de se horrorizar. Exerce seu ofício pelo choque, pela crueldade como forma de expressão que vai além da superfície fílmica, motiva uma intensificação na experiência de contato com o espectador amparada na meta de promover outras percepções.

Bibliografia

    ARTAUD, Antonin. Selected writings. Berkeley: University of California Press, 1976.
    BAZIN, André. O cinema da crueldade. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
    BORDWELL, David. Sobre a história do estilo cinematográfico. Campinas: Editora Unicamp, 2013.
    BURCH, Noel. Práxis do cinema. São Paulo: Perspectiva, 2015.
    FRANÇA, Fagner. Artaud e o cinema da crueldade. Curitiba: CRV, 2018.
    FREY, Mattias. Extreme Cinema: the transgressive rhetoric of today’s art film culture. New Brunswick: Rutgers University Press, 2016.
    HORECK, Tanya; KENDALL, Tina. The new extremism in cinema: from France to Europe. Edimburgo: Edinburgh University Press, 2013.
    KOUTSOURAKIS, Angelos. Politics as form in Lars von Trier: a post-brechtian Reading. Londres: Bloomsbury, 2013.
    SERRA, Rui. Destruição como criação. in: SABINO, Isabel (org.). Com ou sem tintas: composição, ainda?, Lisboa: Universidade de Lisboa, 2013.
    SIMONS, Jan. Playing the waves: Lars von Trier’s game cinema. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2003.