Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Alexandre Rafael Garcia (Unespar / UFPR)

Minicurrículo

    Alexandre Rafael Garcia é professor, pesquisador e realizador de cinema. Doutorando em História na UFPR, mestre em Multimeios na Unicamp e graduado em Cinema pela Faculdade de Artes do Paraná (Unespar). Professor de cinema na Unespar e no Colégio Medianeira, em Curitiba. Atualmente coordena o projeto de extensão HATARI! Trabalha com realização cinematográfica, tendo realizado filmes de curta, média e longa-metragem. Foi fundador e sócio da produtora O Quadro, de 2010 a 2015.

Ficha do Trabalho

Título

    Hong Sang-soo e a volta do parafuso nos filmes de conversação

Seminário

    Teoria dos Cineastas

Resumo

    Esta análise de “A Câmera de Claire” (2017) apresenta a ideia de que os filmes de Hong Sang-soo evidenciam um gesto criador e reflexivo sobre o conceito de “filmes de conversação”, cunhado a partir da teoria do cineasta Éric Rohmer. No filme sul-coreano, uma foto tirada pela personagem é ao mesmo motivadora de intriga e de reflexão conceitual: o que os personagens veem não é a mesma coisa que nós espectadores percebemos. Essa dicotomia é base da filmografia atual de Sang-soo.

Resumo expandido

    Em 1965, Éric Rohmer afirmou, “O que eu gostaria de fazer é um cinema de câmera absolutamente invisível. Sempre é possível tornar a câmera menos visível”. O cineasta consolidou sua carreira a partir de então, apresentando um estilo que podemos chamar de “filmes de conversação”. Em 1977, o próprio diretor afirmou que “é verdade que todos os meus filmes são feitos de conversações”. A partir deste conceito, ao observarmos o cineasta sul-coreano Hong Sang-soo, nascido em 1960 e em plena atividade, percebemos várias intersecções entre os filmes dos dois realizadores. Não é difícil apontar Sang-soo como sendo o mais fiel discípulo de Rohmer, pelo volume do seu trabalho e os diálogos (estéticos, narrativos e paratextuais) travados entre os filmes. Sang-soo é o diretor que melhor se aproveitou do modelo de Rohmer, tanto para viabilizar suas obras economicamente como para analisar e filosofar a respeito do próprio estilo.
    Entre 1996 e 2019, Sang-soo lançou 31 longas-metragens. A princípio suas obras parecem todas iguais: personagens que geralmente trabalham com cinema ou com literatura se envolvem em tramas amorosas e ficam discutindo seus relacionamentos, quase sempre afetados pelo álcool. A sua originalidade vem da maneira de mostrar estas situações.
    Para esta análise, partimos de “A Câmera de Claire”, de 2017, o 29º longa-metragem de Sang-soo. O próprio título é um diálogo com o 4º longa-metragem de Rohmer, “O Joelho de Claire”, de 1970. Além das relações já apontadas entre os diretores e de algumas citações visuais (planos semelhantes), os dois filmes compartilham outras duas questões fundamentais:
    1. Se passam no litoral francês.
    2. Possuem uma personagem estrangeira (em relação aos demais personagens), que é quem irá chacoalhar a narrativa. No filme de Rohmer, é Aurora, romancista, que literalmente provoca o protagonista a tomar determinadas ações. No filme de Sang-soo, é Claire, a fotógrafa, que vai interligar todos personagens e quem irá questionar suas ações. Ou seja, em ambos os casos, essa estrangeira é o elemento catalizador.
    “O Joelho de Claire” é o filme mais autorreflexivo de Rohmer em termos narrativos. “A Câmera de Caire” é uma volta do parafuso nos filmes de conversação, porque Sang-soo parte desse modelo cinematográfico e abala suas características, promovendo um tipo de filme que ao mesmo tempo é simples em suas premissas (narrativas, estéticas e de produção), mas complexo em seus desdobramentos, em uma espécie de mise en abyme.
    Enquanto Rohmer evitava contraplanos, mas usava com parcimônia, Sang-soo evita mais ainda e quando vemos um plano que parece ser um contraplano, uma dúvida é colocada no ar: o que vimos é real dentro da narrativa? Porque, como os filmes de Sang-soo insistem em nos mostrar, a realidade dos acontecimentos não é absoluta.
    Rohmer dizia que pretendia um cinema transparente, onde o espectador não sentia a câmera. Já Sang-soo pontua a nossa presença como espectadores a todo momento, nos colocando como observadores das situações retratadas, mas também como construtores de uma narrativa que não nos é apresentada de maneira ordenada e clara. Fatos são omitidos, o tempo é confundindo, as intenções são obscuras. A câmera não está a serviço do olhar dos personagens e não é organizadora dos fatos, mas sim uma intrusa naquelas situações.
    Em “A Câmera de Claire” temos uma única imagem que é ponto de vista de um personagem: So Wansoo, o personagem que é diretor de cinema, vê uma foto de Manhee, Mas, como percebemos em uma cena a seguir, aquela foto vista por Wansoo talvez nunca tenha existido, porque quando Claire fotografa o evento mencionado, Manhee estava com outra roupa. Este é apenas um exemplo, muito eloquente, das confusões que Sang-soo vem operando.
    Nesta análise é apresentada a ideia de que os filmes de Hong Sang-soo evidenciam um gesto criador e reflexivo sobre o conceito de “filmes de conversação”, cunhado a partir da teoria do cineasta Éric Rohmer.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. A Teoria dos cineastas. Campinas, SP: Papirus, 2004.
    AUMONT, Jacques. O cinema e a encenação. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2008.
    BAZIN, André. O que é o cinema? São Paulo: Cosac Naify, 2014.
    BORDWELL, David. Figuras traçadas na luz. Campinas: Papirus, 2008.
    BORDWELL, David. Sobre a história do estilo cinematográfico. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013.
    GARCIA, Alexandre Rafael. Contos morais e o cinema de Éric Rohmer. Curitiba: Arte & Letra, 2018.