Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Anderson Luis Ribeiro Moreira (PPGCine/UFF)

Minicurrículo

    Anderson Moreira é doutorando em Cinema e Audiovisual pela UFF, onde estuda as apropriações da cultura pop feitas pelo audiovisual brasileiro e suas potencialidades políticas a partir de uma perspectiva antropofágica. É formado em Cinema pela mesma instituição e é mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo IPHAN. Também estuda as relações entre cinema e direitos culturais e foi curador da mostra Direitos Culturais no Cinema (2018, CCJF/RJ).

Ficha do Trabalho

Título

    O cinema americano informará: a recepção antropofágica de Hollywood

Resumo

    Esse trabalho abordará a relação entre a antropofagia e o cinema hollywoodiano enquanto vernáculo global. Para isso nos valeremos da recepção desse cinema pelo espectador Oswald de Andrade, a partir de textos publicados na Revista de Antropofagia, e do conceito de modernismo vernacular de Miriam Hansen. Por fim, a partir dessas reflexões, faremos também alguns apontamentos rápidos sobre os usos intensivos desse vernáculo global pelo audiovisual brasileiro no contexto contemporâneo.

Resumo expandido

    Esse artigo quer apresentar algumas reflexões promovidas pelo modernismo antropofágico brasileiro sobre o cinema, em especial por Oswald de Andrade na Revista de Antropofagia e suas conexões com o cinema clássico-narrativo norte-americano. Para isso, nos filiamos à proposta de reavaliar a conjunção entre o cinema e o modernismo, especialmente a partir do conceito de modernismo vernacular (HANSEN, 2009), segundo o qual o cinema clássico-narrativo hollywoodiano – aquele que foi visto e comentado pelos modernistas brasileiros – reflete as transformações sociais trazidas pela modernidade e se constitui como um vernáculo internacional. Ou, como diria o próprio Oswald: o cinema americano informará.

    A despeito da fortuna crítica considerável sobre a relação entre o cinema e o modernismo brasileiro, ainda persiste uma ideia de ausência de interesse, divórcio (PARANAGUÁ, 2014: p. 30) e descompasso (BRAGANÇA e REAL, 2014: p. 115) entre o modernismo brasileiro e o cinema. Essas noções se referem, geralmente, à produção de filmes, o que acaba por ocluir outras relações possíveis que pensam o cinema a partir de uma perspectiva mais abrangente, em particular de sua recepção. Por isso acreditamos na importância de explorar outras relações entre o modernismo brasileiro e o cinema, particularmente a partir da antropofagia oswaldiana.

    Segundo Miriam Hansen, a estética modernista não seria apenas aquela conectada à proposta da ruptura vanguardista, mas sim uma que articularia e mediaria a experiência da modernidade até mais que os próprios movimentos artísticos das vanguardas, já que ela incorporaria práticas culturais mais amplas de produção e consumo em massa. Ou seja, o foco que ela traz em sua abordagem nos ajuda a compreender o contexto do modernismo e da modernidade para além da lacuna na produção de filmes.

    Para Hansen, o vernáculo global da modernidade desenvolvido pelo cinema clássico norte-americano comportava visões múltiplas e muitas vezes até opostas, que possibilitavam uma miríade de apropriações pelos espectadores ao redor do globo. As dinâmicas provocadas por essa experiência funcionavam como uma matriz liberatória para os impulsos da modernidade, na medida em que suas existências públicas eram estendidas para além dos filmes em si (HANSEN, 2009: p. 253).

    Esse ponto de vista sobre a relação entre cinema e modernidade/modernismo é próxima daquela defendida por Oswald de Andrade na Revista de Antropofagia. Na revista, Oswald fala do “gozo romântico” que Rodolpho Valentino provocava nas mulheres, pensando nos variados contatos propiciados pela recepção em massa das imagens de Hollywood. Assim, Oswald coloca em jogo a espectatorialidade como multiplicadora das posses, dos sentidos, contra uma propriedade única e cristalizada do sentido baseada na autenticidade. E essa ideia é uma das bases do que ele chama de pedra de toque do direito antropofágico: a posse contra a propriedade.

    A partir dessas discussões, à guisa de conclusão, procuraremos também fazer alguns apontamentos preliminares sobre possíveis relações entre a visão oswaldiana do cinema de Hollywood, a ideia de um modernismo vernacular e a forma como o audiovisual brasileiro contemporâneo recebe e se apropria de suas imagens. O autor inglês Iain Robert Smith (2017) atualiza o termo de Hansen e fala de um pós-modernismo vernacular, numa época de trocas e negociações incessantes entre imagens ao redor do globo. Nesse sentido, será que poderíamos pensar na antropofagia ainda como uma força de transponibilidade, num cinema global em que as imagens proprietárias participam dos fluxos do capital com mais força que nunca? Pensando em fanfilmes produzidos pra internet e “filmes de arte” como Batguano (Tavinho Teixeira, 2014), entre outros, procuraremos investigar os usos intensivos das imagens proprietárias que perfazem nosso vernáculo cultural pós-moderno e de que formas elas mediam nossa experiência contemporânea.

Bibliografia

    ANDRADE, O. Revista de Antropofagia. Reedição da Revista Literária Publicada em São Paulo – 1a e 2a dentições (fac-símile). São Paulo: CLY, 1976.

    BRAGANÇA, M.; REAL, E. M. M. Cinema e literatura: conflitos e tensões na modernidade brasileira. In: Revista Alceu, v. 15 – n. 19. Rio de Janeiro: Editora PUC, 2014.

    HANSEN, M. Babel and Babylon: spectatorship in American silent film. Cambridge: Harvard University Press, 1991.

    ________________. The Mass Production of the Senses: Classical Cinema as Vernacular Modernism. In: Cauchie P.L. (eds) Disciplining Modernism. Londres: Palgrave Macmilian, 2009.

    NODARI, A. Um antropófago em Hollywood: Oswald espectador de Valentino. Anuário de Literatura, v. 13 – n. 1. Florianópolis, 2008.

    PARANAGUÁ, P. A. A invenção do cinema brasileiro: modernismo em três tempos. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.

    SMITH, I. R. The Hollywood Meme: transnational adaptations in world cinema. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2017.