Ficha do Proponente
Proponente
- Débora Lúcia Vieira Butruce (USP)
Minicurrículo
- Doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP, com período na Universidade de Nova Iorque no Programa de Arquivística e Preservação de Imagens em Movimento. Mestre em Comunicação e graduada em Cinema, ambos pela UFF. Atua na área de preservação audiovisual desde 2000, tendo trabalhado em instituições como o Centro Técnico Audiovisual, o Arquivo Nacional e a Cinemateca do MAM-RJ, além de ter realizado especializações nos Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Cuba e Espanha.
Ficha do Trabalho
Título
- Restauração audiovisual hoje: estado da arte ou adequação ao mercado?
Mesa
- Desafios políticos e metodológicos da preservação audiovisual
Resumo
- O campo da restauração audiovisual foi enormemente impactado pela incorporação da tecnologia digital, que possibilitou intervenções inimagináveis até então. Atualmente, as ferramentas digitais se tornaram imprescindíveis para o exercício da atividade. Passado o período de euforia inicial, quais as implicações éticas e estéticas do uso (e abuso) de determinados procedimentos no contexto atual? Chegamos ao “estado da arte” ou estamos simplesmente nos adequando a uma visualidade contemporânea?
Resumo expandido
- O restaurador audiovisual enfrenta complexos desafios no espaço entre a avaliação teórica e a aplicação prática. Seu instrumental encontra-se basicamente no laboratório de filmes e nas ferramentas digitais utilizadas, tais como os softwares de restauração. No entanto, seu raciocínio difere significativamente do trabalho em um laboratório comercial: a restauração de filmes requer uma forte base teórica e uma grande consciência acerca de seus objetivos. Se partirmos do pressuposto de que a restauração audiovisual é tanto um trabalho intelectual quanto artesanal e, portanto, dedicada aos métodos científicos, o restaurador deve entender o que constitui um filme como arte e/ou evidência histórica e as características físicas de uma obra para definir o que deve ser recuperado. A recuperação dessa perda é o objetivo do restaurador, mas existem vários caminhos para alcançá-lo. E nem todos são aceitáveis, visto que a restauração pode afetar nossa compreensão de um objeto ou a identidade cultural de um grupo de pessoas. Um restauro melhora a legibilidade de uma obra de arte ou seu significado histórico em toda a sua complexidade.
Até aproximadamente a virada do século XXI, a restauração audiovisual consistia essencialmente de três atividades, todas elas ocorrendo no domínio fotoquímico e analógico. Tratava-se do trabalho de conservação e reparo dos elementos sobreviventes, (re)montagem desses elementos em uma versão considerada a mais próxima possível do ‘original’, e a duplicação dessas fontes com o intuito de criar uma nova matriz de preservação, a partir da qual as cópias de acesso seriam feitas.
O surgimento de sistemas informatizados para o armazenamento e manipulação de imagens em movimento originadas em película, possibilitou o desenvolvimento da tecnologia digital para o campo da restauração. Essas tecnologias começam a aparecer no início dos anos 1990, projetadas principalmente para a criação de imagens geradas em computador (“computer generated images” ou simplesmente CGI) e a integração destas aos elementos fotográficos em uma mesma imagem.
Esses fabricantes perceberam que essa tecnologia também poderia ser usada para criar técnicas de aprimoramento da imagem no domínio digital. Baseando-se nos mesmos princípios nos quais os arquivistas se ancoravam na prática da restauração, especialmente durante o processo de duplicação fotoquímica, decidiram elaborar ferramentas que pudessem ser utilizadas em processos de restauro de forma mais eficaz e (supostamente) barata. Ao invés disso, por conta do alto investimento inicial, o custo era proibitivo para a maior parte dos arquivos, e somente grandes empresas se aventuraram na seara digital nesse momento, como, por exemplo, o conglomerado Walt Disney. Foram eles que realizaram, já em 1993, o primeiro projeto de restauração digital de larga escala em um longa-metragem, com o filme “Branca de Neve e os sete anões” (David Hand, 1937). Dez anos depois, a situação já tinha mudado significativamente: o custo de um restauro digital reduziu-se a ponto de a técnica ser acessível para atividades sem fins lucrativos, ou seja, para as atividades da maior parte dos arquivos audiovisuais.
Passado a fase de euforia e deslumbramento, como as implicações éticas e estéticas dos procedimentos utilizados no contexto atual vêm sendo encaradas e refletidas? Chegamos ao “estado da arte” na restauração audiovisual, ou seja, alcançamos um alto nível de desenvolvimento onde as possibilidades são infinitas, desde que respeitadas as especificidades do filme a ser restaurado, ou, na verdade, estamos utilizando essas ferramentas para adequar uma visualidade essencialmente analógica ao gosto do espectador contemporâneo? A partir da análise de exemplos atuais, este trabalho pretende investigar em que medida essa apropriação indevida vem se tornando cada vez mais problemática com o domínio do digital e se é possível articular princípios éticos que resultem em uma abordagem metodológica para a restauração audiovisual.
Bibliografia
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