Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Augusto Ramos Bozzetti (CAV)

Minicurrículo

    Augusto Bozzetti é mestre em Comunicação Social pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e é Coordenador de Formação do Centro Audiovisual de São Bernardo do Campo – CAV. É produtor, diretor, roteirista e animador, com inúmeros trabalhos produzidos para a TV e o cinema, incluindo a série de animação “X-Coração”, exibida nos canais Disney XD e TV Brasil e o longa-metragem de ficção “Eu não vou dizer eu te amo”.

Ficha do Trabalho

Título

    Imagem Pensamento: tempo e movimento nas imagens dos desenhos animados

Resumo

    O cinema de animação tradicional cria a ilusão do movimento a partir de imagens estáticas, cuja ação não tem referencial no mundo natural da mesma forma que o cinema tradicional feito com atores. Com base nas ideias de DELUZE (1985), procuramos entender de que tipo de operação os desenhos animados se valem, tendo o efeito psicológico não só como finalidade, mas também como origem, resultando no que percebemos como a Imagem Pensamento deste tipo de filme.

Resumo expandido

    Em nossos estudos a respeito da natureza dos desenhos animados, percebemos que sua relação com as máquinas que operam seus objetos se constitui num problema primordialmente tecnocultural: a criatividade humana resta subordinada às condições impostas pelo meio técnico de forma radicalmente inédita nos conteúdos audiovisuais. Não significa dizer que estes filmes animados são menos “humanos” do que qualquer outra mídia, muito pelo contrário. Recorrendo a BERGSON (2005), a respeito do mecanismo cinematográfico do pensamento, entendemos que a natureza da inteligência humana é a de justamente apenas perceber a duração da realidade através de pontos de repouso, de um objetivo alcançado para outro, através de uma série de pulos, extraindo do movimento uma imagem impessoal e abstrata, tal qual o funcionamento do cinematógrafo, que reconstrói artificialmente o devir das coisas.
    Assim, as manifestações técnico/artísticas que se potencializam na era da reprodutibilidade técnica, podem, portanto, ser consideradas tão ou mais humanas que qualquer outra forma de expressão analógica ou artesanal que as precederam, de forma que essa pesquisa pretende também entender o quão humano e o quão maquínico pode ser o desenho animado, desvendando o quanto há de máquina na lógica humana e o quanto há de humano na lógica das máquinas.
    Sob essa perspectiva e ancorando nossos pressupostos em DELUZE (1985, 2009) a respeito de imagens-tempo e imagens-movimento, procuramos entender uma característica fundamental na produção de efeito de movimento do cinema de animação que o distingue de maneira substancial do cinema tradicional feito com atores, onde o segundo produz suas imagens captando os movimentos do mundo natural e os codificando em vários quadros estáticos e o primeiro parte justamente desse código de imagens impessoais e abstratas para produzir o efeito do movimento. Paul Wells, baseando-se nas ideias do animador experimental Norman McLaren, sugere que o que determina mais adequadamente um entendimento sobre como age a técnica da animação é a operação que ocorre entre os frames, de forma que sua ação é antes de tudo, psicológica. Surge daí a ideia que procuramos perceber como Imagem Pensamento, que produz efeitos de movimento, ação e tempo a partir de imagens que não se utilizam da duração da mesma forma que o cinema tradicional faz.
    Entender os desenhos animados como uma mídia que se vale do psicológico sobre o físico permite adentrar em questões filosóficas que podem dar pistas sobre sua natureza, complexificando um tipo de objeto que tradicionalmente encontra-se circunscrito ao guarda-chuva conceitual do cinema, mas que, sob a ótica aqui proposta, sugere possuir outra genealogia. Analisar, portanto, os desenhos animados na ordem do quadro a quadro torna-se fundamental na medida em que suas imagens são assim também concebidas.
    Dessa maneira, como forma de operacionalizar o movimento arqueológico em torno de nossos materiais empíricos, lançamos mão do procedimento da “Reconstituição”, que consiste em reproduzir os objetos que dão origem às imagens-movimento dos desenhos animados em análise, filmando pequenos trechos e comparando-os com os originais. Esse agir intenciona colocar a pesquisa em contato direto com os materiais que se perderam no tempo e no espaço, permitindo tensionar na prática nossos movimentos feitos no campo teórico. Se os desenhos animados são produzidos como um código, implica dizer que eles podem ser reescritos a partir do momento em que esse código é decifrado, algo que não pode ser feito com outros cinemas que não se baseiam na abstração da forma como o cinema de animação faz. Ao reconstituir cada frame com o grau de exatidão que a técnica fragmentada da animação permite, podemos também tentar alcançar aquilo que mais nos interessa: o que acontece entre cada um deles.

Bibliografia

    BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1985.
    BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
    DELEUZE, Gilles. Cinema 1: A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.
    ______. Cinema 2: A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2009.
    HUHTAMO. Erkki; PARIKKA, Jussi. Media Archeology: Approaches, Applications, and Implications. Berkeley, California : University of California Press, 2011.
    SANTAELLA, Lucia. RIBEIRO, Daniel Melo. A arqueologia benjaminiana para iluminar o presente midiático. In: MUSSE, Christina Ferraz; SILVA, Herom Vargas;
    SCHEIMER, Lou. MANGELS, Andy. Creating the Filmation Generation. Raleigh: TwoMorrows Publishing, 2012.
    SHAW, Debra Benita. Technoculture: The Key Concepts. Oxford: Berg Publishers, 2008.
    WELLS, Paul. Understandig Animation. Londres: Routledge, 1998.