Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    TAINA XAVIER PEREIRA HUHOLD (UFF)

Minicurrículo

    É doutoranda em Cinema e Audiovisual no PPGCINE da Universidade Federal Fluminense. Possui graduação em Comunicação Social – Cinema pela UFF (2004) e mestrado em Artes Visuais pela UFRJ (2012). Atualmente é diretora financeira do FORCINE – Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual e professora licenciada da UNILA, onde criou o projeto Dar a Ver – Núcleo de estudo e formação em funções de apoio à direção de arte audiovisual. Atua nas áreas de produção e direção de arte desde 1996.

Ficha do Trabalho

Título

    O vestígio no cinema brasileiro contemporâneo. O caso de Árido Movie.

Mesa

    A direção de arte na narrativa cinematográfica: composição e linguagem

Resumo

    O uso de construções marcadas por vestígios do tempo pode apresentar um novo problema para o estudo da direção de arte no cinema brasileiro contemporâneo. Na medida em que coincidem na construção da diegese espaços modificados por técnicas específicas de adequação ao enredo com matérias marcadas por inscrições do tempo, tencionam-se na imagem procedimentos de significação ficcional e visualidades do real. Este estudo propõe uma aproximação a este problema a partir da análise de Árido Movie.

Resumo expandido

    A chamada produção da “retomada” do cinema brasileiro foi marcada, do ponto de vista da direção de arte, pela intensificação da aplicação de técnicas miméticas de simulação herdadas da cenotécnica teatral e inseridas num conjunto mais amplo de procedimentos que visavam exteriorizar indicadores de “profissionalização” da atividade cinematográfica no país. O uso recorrente de locações que exibem traços temporais no cinema brasileiro contemporâneo de ficção contrasta com este histórico e apresenta novos olhares para o espaço cênico. A presente proposta parte da análise da direção de arte de Árido Movie, (Lírio Ferreira, 2004) para investigar implicações estéticas e narrativas da presença do vestígio no espaço cênico de filmes recentes, à luz de estudos da memória, como os de Henri Bergson e Aleida Assmann e da imagem, como de Jacques Rancière.
    No filme, tais marcas aparecem em casas sem portas, janelas e telhados que compõem, juntamente com a paisagem árida, uma atmosfera inabitável dos arredores de Rocha, cidadezinha natal da família do protagonista Jonas (Guilherme Weber), um repórter de meteorologia (ou “homem do tempo” como é chamado no filme), que retorna à origens no sertão pernambucano para o velório de seu pai (Paulo César Pereio). A metáfora do tempo enquanto sucessão de horas (ou épocas) aparece também por meio de um relógio de bolso de passa por várias personagens, lembrando-nos de que a viagem de Jonas (e de seus companheiros) não se dá apenas por um deslocamento espacial.
    O retorno de Jonas à Rocha será marcado pela tensão entre modos de vida colocados em contraste por personagens pertencentes a grupos sociais e vivências do tempo distintas. Estão presentes na narrativa elementos visuais e sonoros que aludem à vida urbana e rural, moderna e arcaica, que são expostos numa dialética do binômio sertão-mar de Conselheiro que sugere imbricamento dos dois universos, como ilustrado pelo cenário do bar de Zé Elétrico, enfeitado por conchas e mariscos, achados no sertão, segundo fala do personagem: “ – Você pode até não acreditar mas achei tudo por aqui mesmo”.
    O tratamento narrativo dado aos espaços cênicos sertanejos em Árido Movie reforça as propostas de direção de expor a manutenção de estruturas de poder expressas nos modos de vida das personagens, marcadas pela possibilidade de controle (ou não) da aridez do sertão. A frase do protagonista – “Não há previsão de mudanças” ressoa na diferença da paisagem do entorno da casa da família de Jonas (detentora do poder político pela posse da terra e da água) e do “Meu Velho” (detentor do poder religioso, que depois saberemos ser financiado pela família que detém o poder político). Se essas paisagens apresentam ruas arborizadas, casas e igreja bem pintadas, denotado poder sobre as condições adversas do meio ambiente, aquelas vistas no trajeto pelo qual passam os estrangeiros à Rocha: Soledad, Jonas e seus amigos, apresentam esqueletos de casas quase reabsorvidas pela natureza, que “pouco têm de seu significado original” (COSGROVE, 1998, p. 117). Por não se prestarem mais à função para a qual foram construídas, expressam, conforme apontado na geografia cultural de Cosgrove, os impactos de valores culturais subdominantes residuais. Essas construções, notadamente marcadas pelo traço do tempo, são convertidas em signos espaciais de uma outra época (tanto diegética, quanto extradiegética). Segundo Aleida Assmann os vestígios são “testemunhos não endereçados à posteridade” (2011, p. 230) e não se resumem à evocar sua época de origem/construção, uma vez que a matéria, ao longo de sua duração recebe diversas inscrições, “ações efetivas” que deixam traços. O estudo do palimpsesto das superfícies de locações com vestígios temporais de Árido Movie convoca tais ações efetivas, através de suas marcas (ou encobrimentos), a imporem sua presença, habitarem aquele espaço/narrativa, tencionando o regime representativo da direção de arte.

Bibliografia

    ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.
    BERGSON, Henri. Materia y Memoria. Buenos Aires: Cactus, 2006.
    COSGROVE, D. A Geografia está em toda parte: Cultura e Simbolismo nas Paisagens Humanas. In: CORREA, R. L. e ROSENDAHL, Z. (Orgs.) Paisagem Tempo e Cultura. Rio de Janeiro, EDUERJ, 1998.
    LIMA, Érico Oliveira de Araújo; VIEIRA, MarceloDídimo Souza. O passado no presente: Identidade e Utopia no Sertão híbrido de Árido Movie. XII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Campina Grande – PB. Disponível em . Acesso em 16/04/2019.
    RANCIERE, Jacques. O destino das Imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.