Ficha do Proponente
Proponente
- Leonardo Alvares Vidigal (UFMG)
Minicurrículo
- Leonardo Vidigal é professor associado de cinema e audiovisual na graduação e pós-graduação da Escola de Belas Artes da UFMG. Doutor em Comunicação Social pela UFMG, com pós-doutorado pela Goldsmiths, University of London. O pesquisador estuda as interações entre a música popular e o cinema, transculturalidades e o som no audiovisual. Realizou o filme Weapon is my Mouth (Minha Boca, Minha Arma, 2016, com Delmar Mavignier), sobre a percepção e a constituição sonora nos sound-systems de reggae.
Ficha do Trabalho
Título
- Do sound-system de reggae ao sistema de som dos cinemas
Seminário
- Estilo e som no audiovisual
Resumo
- Os filmes sobre sound-systems de reggae formam um corpus significativo em meio a produções que tratam da música popular. Documentários e filmes de ficção vêm expressando uma abordagem poética sobre tais configurações de equipamentos sonoros, operados por equipes especializadas. Concebido para ser amplificado nesses aparatos sonoros, o reggae se disseminou mundialmente por meio deles. Nesta apresentação, iremos formular algumas das conclusões desta pesquisa sobre o cinema dos sistemas de som.
Resumo expandido
- O que pode o som de um filme? Que filme pode nos afetar, nos baquear, fazendo tremer a roupa e todos os pelos externos e internos? Que obra é esta a nos tragar, mise-en-maelstrom, voragem sônica-imagética? Com certeza uma captação/amplificação do amplificado, cinema de som, de sistema de som. Há algum tempo estamos tratando deste cinema dos alto-falantes para baixo-ouvintes, as frequências graves nos gravam e nos vibram, do cone da caixa ao tímpano, até os sulcos espiralados e peludos da cóclea auditiva. Partindo do sound-system musical, com caixas de diversos tamanhos e frequências, cada uma destas com o seu próprio amplificador, controladas por um pré-amplificador, até os sistemas de som internos das salas de cinema. Estes filmes peculiares sonorizam nossa percepção destes fenômenos socioculturais mundializados, seja nos envolvendo nos cinemas, seja nos enviando ondas sonoras para dentro de nossos corpos, por meio de fones de ouvido.
O universo dos sound-systems de reggae foi abordado em eventos acadêmicos anteriores no sentido de apresentar e analisar filmes emblemáticos como “Dread, Beat and Blood” (Franco Rosso, 1978), “Babylon” (Franco Rosso, 1981), “Sound Business” (Molly Dinneen, 1981), “Musically Mad” (Karl Folke, 2010), até o filme realizado por este pesquisador, “Minha Boca, Minha Arma” (Leo Vidigal e Delmar Mavignier, 2016). Em outra ocasião apresentamos métodos de abordagem deste cinema que também ocupa as telas, considerando: a) o contexto cultural do filme; b) A dialética entre a narrativa e elementos de exibição dos sound-sytems nos filmes; c) a montagem do filme (o seu arranjo audiovisual), se baseados no som direto (documental) ou na pós-sincronização (ficcional) e, finalmente, d) na abordagem documental, a forma como o filme constrói um espaço comum com os personagens.
Um dos filmes analisados, que traz as reflexões mais ousadas sobre os sound-systems e o sistema em torno é “Territories” (Isaac Julien, 1983). O cinema se mostra nele como a verdadeira “forma que pensa”, como vaticinou Jean-Luc Godard. A sua narração, por vezes performada por um homem, por vezes por uma mulher, às vezes pelas duas vozes em conjunto, parte de uma contextualização dos territórios em tela: territórios de classe, raça, gênero, de relações de trabalho. Faz uma etnografia criativa do carnaval de Notting Hill, que começou como uma confraternização da comunidade caribenha em Londres e hoje é a maior festa de rua européia. Nos anos 1970 ocorreu uma tentativa do aparato policial de controlar a entrada de pessoas no perímetro do carnaval, por meio de passes, que gerou revolta. Territórios de controle do espaço, do desejo, dos corpos, até que surgem os territórios de resistência: os sound-systems. Estes começavam a ocupar as esquinas do bairro de Notting Hill durante o Carnaval, onde ainda passam os grupos de steel-drums em seus caminhões como trios elétricos, com centenas de pessoas fantasiadas desfilando atrás. Os sound-systems ficam estáticos em seus cantos, mas se afirmam e se tornam vetores de aglutinação de pessoas de todas as idades, tocando canções ousadas, com mensagens revolucionárias. O filme flagra os policiais tentando expulsar um sound-system da rua, porque “vêem qualquer ajuntamento de pessoas negras como ameaçador. A nossa única escolha é lutar”, diz a narração de duplo gênero. A edição justapõe a imagem de um MC de sound-system, remixando imagens e sons (chamado no jargão do reggae de dub) por meio do scratch do disco, emendando também com a narração de his-story e her-story. A última parte é uma espécie de endoclipe (Vidigal, 2012) que traz a canção “Balada de Sacco & Vanzetti” de Enio Morricone e Joan Baez, com um dub de Mad Professor, dois jovens negros e uma manifestação. A ocupação dos espaços públicos hoje é a marca do Carnaval dos sound-systems em Notting Hill.
Após uma abordagem mais detalhada deste filme, vamos procurar sintetizar algumas das conclusões desta pesquisa sobre o cinema dos sistemas de som.
Bibliografia
- HENRIQUES, Julian. Sonic bodies: Reggae Sound-systems, performance techniques and ways of knowing. Londres: Continuum Books, 2011
D’AQUINO, Brian, HENRIQUES, Julian. VIDIGAL, Leonardo. (2016) A Popular Culture Research Methodology: Sound System Outernational. Volume! N. 1.13-2 Access: https://journals.openedition.org/volume/5249. SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo. São Paulo: Editora Unesp, 2001
VIDIGAL, Leonardo. “A Jamaica é aqui”: relações entre música e território no audiovisual. Revista Brasileira do Caribe. Centro Brasileiro de Estudos Caribenhos. 2009 Vol. IX, número 18, págs. 425-483.
____________. Reggae Documentaries in Brazil. In: Carolyn Cooper. (Org.). Global Reggae. Kingston: Canoe Press, 2012
____________. Música Popular e Endoclipe nas séries documentais televisivas. IV ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA Popular, Musicom. São Paulo: 2012