Ficha do Proponente
Proponente
- José Augusto Mendes Lobato (USJT)
Minicurrículo
- Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM-USP), mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero e graduado em Jornalismo pela Universidade da Amazônia. Docente da Universidade São Judas, coordenador-adjunto e professor do curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi e consultor de conteúdo na agência Report Sustentabilidade. E-mail: gutomlobato@gmail.com.
Ficha do Trabalho
Título
- A questão síria na ficção seriada e no documentário jornalístico
Mesa
- Ficção televisiva brasileira: narrativa, estilo e crítica
Resumo
- Este trabalho discute a representação da crise humanitária síria na cultura audiovisual brasileira, com foco em dois eixos de produção: o jornalístico, na forma do documentário em vídeo, e o de ficção seriada, por meio da telenovela. Ancorados nos estudos culturais e pós-coloniais, bem como em conceitos da semiótica sensível, propomos o exame de duas produções a fim de examinar suas estratégias de narração dos conflitos e da transgressão material e simbólica de fronteiras na contemporaneidade.
Resumo expandido
- Amplamente integradas à cultura audiovisual e, em escopo mais amplo, ao nosso cotidiano, as imagens que nos levam ao distante e ao desconhecido têm, além de todas as atribuições comuns a todo processo de representação, a função de configurar entendimentos, sensos e chaves de leitura que permitem a apreensão da alteridade e seu posicionamento no corpo social. Conforme nos apontam autores como Roger Silverstone (2002), os processos de mediação carregam uma das principais responsabilidades da comunicação em larga escala: eles, diz o autor, nos permitem “enquadrar, representar e ver o outro e seu mundo”, muitas vezes sem nos levar a aceitar o “desafio do outro” – ou seja, a observância plena de sua complexidade (SILVERSTONE, 2002, p. 23).
Essa perspectiva é particularmente crítica ao examinarmos a construção das narrativas de conflito, que têm como fio condutor a demonstração de episódios de dor e trauma – diásporas, guerras, confrontos, perdas etc. – e, frequentemente, o trânsito entre culturas e o desajuste de fronteiras materiais e simbólicas. Reside aí nossa indagação: em um universo atravessado pela pregnância do audiovisual e pelo acesso a discursos de diferença, de que modo o outro e seus conflitos são narrados no espaço televisivo brasileiro? Quais estratégias regem sua construção – e como se dá essa leitura nos campos de ficção e não ficção?
Para investigar tal fenômeno, lançamos foco sobre uma situação de conflito de ampla visibilidade: a Guerra Civil na Síria – considerada pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) a maior crise de deslocamento do mundo. No total, cerca de 65,6 milhões de pessoas haviam sido forçadas a deixar seus locais de origem em escala mundial em 2016. Com mais de 5,6 milhões de refugiados registrados em outras nações, porém, a Síria tem, hoje, a condição mais crítica, com reflexos para países como o Brasil – que, de 2010 a 2016, acolheu mais de 3.700 solicitações de refúgio de sírios, somadas a outras 823 em 2017, representando 35% do total de refugiados reconhecidos pelo Estado (BRASIL, 2018).
A fim de examinar o tratamento para a questão síria em narrativas audiovisuais contemporâneas, tomamos como objeto dois eixos de produção. De um lado, a ficção seriada, campo de circulação de sensos de identidade, conformação de narrativas nacionais (LOPES, 2009) e promoção de viagens simbólicas, com ênfase na telenovela; de outro, o jornalismo, área de saber calcada no registro sistemático dos fatos e em um ethos profissional de transparência pública (SODRÉ, 2009), tendo foco no gênero documentário e suas articulações interpretativas.
Em específico, examinamos cenas dos cinco primeiros capítulos da telenovela “Órfãos da Terra”, das autoras Duca Rachid e Thelma Guedes, exibida pela TV Globo em 2019, e o documentário jornalístico “Os refugiados no Brasil”, exibido em 2017 no programa GloboNews Especial, da emissora de mesmo nome. Obedecendo a regimes de gênero e articulação com o real próprios, ligados aos campos em que se originam, as produções têm em comum os traços construtivos das por nós denominadas narrativas de alteridade – produções que têm no centro de sua intriga a tradução e domesticação do outro (LOBATO, 2018) por meio de estratégias e recursos transversais aos gêneros e formatos audiovisuais.
Guiada por autores dos estudos culturais e pós-coloniais, como Hall (2002), Bhabha (1998), Spivak (2010) e Said (2007), além da “semiótica sensível” de Landowski (2002), nossa reflexão busca colocar em tensão noções de identidade-alteridade e as múltiplas formas de posicionamento do sujeito sírio em narrativas que reforçam o diaspórico, em contexto de desajustes e instabilidades nas construções geopolíticas e de identidade, tomando a imagem – e sua força evenemencial – como um poderoso instrumento de captura e representação da dor do outro.
Bibliografia
- BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
BRASIL (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA). Refúgio em números – 3ª edição. Brasília (DF), 2018. Disponível em: . Acesso em 11 abr. 2019.
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002.
LANDOWSKI, Eric. Presenças do outro. São Paulo, Perspectiva, 2002.
LOBATO, José Augusto. A narração de alteridade na ficção e na grande reportagem. Rumores (USP), v. 12, p. 299, 2018.
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Telenovela como recurso comunicativo. MATRIZes, v.3, nº. 1, 2009.
SAID, Edward. Orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
SILVERSTONE, Roger. Complicity and collusion in the mediation of everyday life. New Literary History, 2002, v.33., p.761-780.
SODRÉ, Muniz. A narração do fato. Petrópolis: Vozes, 2009.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o Subalterno Falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.