Ficha do Proponente
Proponente
- Bruno Bortoluz Polidoro (Unisinos)
Minicurrículo
- É mestre em Comunicação e graduado em Realização Audiovisual pela Unisinos. Atua há 15 anos como diretor de fotografia em filmes, videoartes e séries televisivas. Com foco em conteúdo, assinou a fotografia de 16 longas, entre eles “Bio” e “Legalidade”.
Recebeu prêmios pelo seu trabalho como fotógrafo, com destaque para os dois Kikitos em Gramado. Também dirigiu curtas e o longa “Sobre sete ondas verdes espumantes”. É sócio da Besouro Filmes e professor de direção de fotografia na Unisinos.
Ficha do Trabalho
Título
- Potência do escuro na fotografia: jogo de sombras em Christopher Doyle
Seminário
- Teorias e análises da direção de fotografia
Resumo
- Este trabalho propõe uma inversão de paradigma do pensar a fotografia cinematográfica: coloca o escuro como centro da formulação dos desenhos de iluminação. Autentica a potência do escuro, apresentando sua força como base da imagem que nasce e permanece em suas bordas (escuro-moldura), e a sombra, que brota resultante do aparecimento da luz. A análise é feita em filmes com fotografia de Christopher Doyle, e aponta nessas imagens jogos de claros e escuros criados por uma luz líquida.
Resumo expandido
- Este trabalho propõe uma inversão do paradigma da fotografia cinematográfica, colocando o escuro como centro da formulação dos desenhos de iluminação. Autentica a potência do escuro, apresentando sua força como base da imagem que nasce e permanece em suas bordas (escuro-moldura), e o escuro que brota resultante do aparecimento da luz – a sombra. A análise é feita em filmes com fotografia de Christopher Doyle e aponta neles jogos de claros e escuros criados por uma luz líquida.
No escuro tudo é possível à imaginação, a escuridão esconde do espectador, autorizando-o a imaginar qualquer coisa. Por isso a potência do escuro: por nele caberem todas as formas virtuais. O escuro também é assustador: nele, caminha-se tateando, desejos ocultos afloram.
Para fazer-se cinema, o escuro precisa da luz, que avança sobre os corpos que nele se ocultam. Começa a ser mostrado e a ser visto o que só existia virtualmente. Pensamos nas possibilidades da luz atualizá-lo; cada facho lumínico dispara um acontecimento no escuro, que traz consigo novas imagens e sentidos. No entanto, compreendendo o que Didi-Huberman (1998) falou com “abrir os olhos”, ainda que a luz reduza possibilidades, ela pode trazer imagens que não foram imaginadas para a escuridão.
Nosso desejo de manipular luzes e escuros encontra força nas imagens produzidas por Christopher Doyle. Diretor de fotografia australiano, Doyle entra na história do cinema ao mergulhar nas escuras ruas de Hong Kong. O enigmático território portuário é repleto de arranha-céus que escondem o sol das ruas. Essa escuridão é rompida pelo fluxo de carros e os letreiros de neon. O escuro que marca a cidade é um escuro complexo, pois a poluição visual faz com que o céu da cidade brilhe: as nuvens são visíveis, mescladas de tons de azul, vermelho e verde. Hong Kong seduz pelos ruídos e choque cultural, mas, acima de tudo, por ser um espaço de grande contraste visual.
Ainda que Doyle tenha desenhado imagens com outros diretores como M. Night Shyamalan e Gus Van Sant, esta pesquisa centra na análise das obras que fotografou com direção de Wong Kar-Wai. Na imagem escura das ruas, os corpos dos atores estão em constante tensionamento entre luzes e sombras. A luz concretiza corpos e atos; realiza-os. Ao decidir o que mostrar e o que deve permanecer na escuridão, Doyle e a fotografia criam essa atualização do escuro. A cada novo ponto de luz, outras possibilidades imaginadas retornam à escuridão.
Deleuze (1992) fala da relação entre luz e trevas no cinema como de alternância ou de luta, como também costumamos pensar. Porém, no decorrer da pesquisa desenvolve-se a ideia não de dicotomia, mas de haver um jogo com os claros e os escuros. Um dos principais elementos desse jogo é a sombra, um escuro que resiste, brota a partir da própria luz. A sombra é como um rastro, pois lembra o corpo que a produziu; surge da luz que toca esse corpo; mas segue, projeta para frente, criando novos elementos visuais dentro da imagem principal.
As sombras também são compostas de escuro e, a partir dos conceitos de Sartre (2008), trabalhamos com a ideia de que possuem existência própria, diferente da existência do Escuro. A sombra é uma atualização do escuro, resultado da luz que ilumina o corpo e forma um novo elemento. A imagem totalmente escura guarda para si tudo; já o escuro da sombra é um construído: mostra sua origem, o objeto que a gera ao ser iluminado. A sombra nasce para esconder, mas resulta de um objeto que obstruiu a luz. O seu potencial está em olhar para nós e mostrar que o corpo iluminado guarda segredos. A sombra é um rastro: quer que abramos os olhos, tentando fazer com que se compreenda o que objeto que dela surge pode nos dizer. Ao tensionar o escuro, com Bauman (2001) a luz pode ser pensada como líquida, pois muda como se escorresse pelos corpos. Refletores e luzes dos ambientes inundam-nos e estes jogam com elas. Nasce assim, o jogo da iluminação na fotografia, que esconde e seduz.
Bibliografia
- ALTON, John. Painting with light. New York: The Macmillan Co., 1949.
AUMONT, Jacques. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac&Naify, 2004.
BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
BELLOUR, Raymond. Entre-Imagens: Foto, cinema, vídeo. São Paulo: Papirus, 1997.
BERGSON, Henri. Memória e Vida. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
BEZERRA, Julio; FURTADO, Filipe. (Org). Cidade em chamas: o cinema de Hong Kong. Rio de Janeiro: Firula Filmes, 2018.
DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1992.
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2007.
DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
KILPP, Suzana. Panoramas especulares. UNIrevista. Vol. 1, n. 3, 2006.
SARTRE, Jean-Paul. A imaginação. Porto Alegre: L&PM, 2008.
TARIN, Francisco J. G. Wong Kar-wai: grietas en el espacio-tiempo. Madrid: Ed. Akal, 2008.