Ficha do Proponente
Proponente
- Miguel Antunes Ramos (USP)
Minicurrículo
- Miguel Antunes Ramos é realizador audiovisual. Formado em audiovisual na ECA/USP em 2012, Miguel dirigiu os curta-metragens um, dois, três, vulcão (2012), Salomão (2013), E (2014), A Era de Ouro (2014), O Castelo (2015) e Comissão de Vendas (2016), que foram exibidos em festivais como Rotterdam (2015), Oberhausen (2016), entre outros. Seu primeiro longa, Banco Imobiliário (2016) foi exibido na Mostra de Tiradentes. Atualmente, miguel faz mestrado na ECA/USP com orientação de Ismail Xavier.
Ficha do Trabalho
Título
- Reflexões sobre performance e sobrevivências à partir de ‘Arara’
Resumo
- Em 2013 foi encontrado no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, 4 rolos de película intitulados ‘Arara’. Filmados em fevereiro de 1970, o material é um registro da formatura do primeiro e único batalhão da Guarda Rural Indígena. Nossa pesquisa pretende se debruçar sobre esse material encontrado, se questionando sobre o desejo branco, militarista e disciplinador que o ensejou, bem como a forma com que os corpos indígenas performaram, responderam e resistiram a esse desejo.
Resumo expandido
- Em 2013 foi encontrado no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, 4 rolos de película intitulados ‘Arara’. Filmados em fevereiro de 1970 por Jesco Von Puttkamer, o material é um registro da formatura do primeiro e único batalhão da Guarda Rural Indígena, composta por 97 índios dos povos Karajá, Krahô, Xerente, Maxakali e Gavião.
O material consiste em uma filmagem em 16 mm, sem som, dessa formatura. Uma série de índios fardados marcha pelo pátio de um batalhão militar. Vestindo quepe e com o olhar sisudo, os 97 erguem o braço direito em saudação à bandeira brasileira, que é hasteada. Homens brancos de terno assistem à tudo da arquibancada, em silêncio. Um índio à cavalo cruza o pátio trazendo outro índio amarrado, em uma simulação de prisão. Por fim, atravessa o pátio um grupo particular: dois índios carregam um terceiro, que está preso a um pau-de-arara. Eles são observados atentamente pelos homens brancos engravatados. Cruzam todo o pátio debaixo de um sol escaldante.
Hoje, mais de 30 anos após o fim da ditadura civil-militar, assistir a essas imagens causa uma espécie de vertigem. O material, recém-encontrado, tendo ficado escondido por mais de 40 anos, parece carregar uma luminosidade própria, sendo, em certo sentido, uma imagem “sobrevivente” (DIDI-HUBERMAN). Nossa pesquisa pretende se debruçar sobre esse material encontrado para, a partir dele, recompor a história da Guarda Rural Indígena buscando entender não apenas o que ocorreu, quando e como começou e terminou a Grin, mas também se perguntar sobre o desejo branco, militarista e disciplinador, que o ensejou. Além disso, pretendemos investigar como essa história permanece nos corpos, memórias e histórias dos próprios indígenas que foram fardados.
É possível analisar a criação da GRIN através de dois prismas diferentes e algo contraditórios. O primeiro diz respeito ao tema da militarização indígena, entendendo a GRIN no contexto do projeto de integração e segurança nacional do pós-AI 5. O segundo diz respeito à uma preocupação, acima de tudo, imagética, tendo em vista as acusações que se fazia ao Brasil no contexto internacional, e o papel preponderante da questão indígena nessas acusações. Assim, é possível entender a criação da GRIN como um esforço por parte do governo de contra-propaganda – a criação de uma imagem teoricamente positiva, que pudesse defender a ditadura da acusação de genocídio indígena. Prova desse intuito é o fato de que após a criação da GRIN, no ano de 1970, em diversas cidades brasileiras houveram desfiles dos guardas. Isso levanta a possibilidade de o material agora encontrado ser, em verdade, o material bruto de uma propaganda governamental nunca realizada. Essa hipótese é algo que vamos ao longo da pesquisa se aprofundar.
Uma análise mais detida do material busca enxergar nele a sobreposição de três desejos. De um lado, existe o desejo branco, militar, que controla a performance, a planejou, a montou. De outro lado, existe o desejo do fotógrafo, Jesco Von Puttkamer, um brasileiro de ascendêcia alemã que fotografou o julgamento de Nuremberg, e fotograva grupos indígenas recorrentemente para revistas nacionais e estrangeiras. E por fim, existe o desejo indígena, os corpos que percorrem a performance desejada pelos militares, filmada pelo Jesco, e que dela se apropriam e a ele resistem.
Na pesquisa, visitamos aldeias indígenas e localizamos mais de 20 guardas. Nos dedicamos então à questão de como suas histórias e seus corpos foram atravessados pela ocorrência histórica que foi a Grin.
Acima de tudo, este projeto busca refletir sobre a imbrincada relação entre memória e imagem, entre barbárie histórica e documento, buscando apreender o que permanece, ainda hoje, nas imagens, nas memórias e nos corpos, da tragédia biopolítica que foi a ditadura civil-militar no Brasil.
Bibliografia
- CARNEIRO DA CUNHA, Manoela. Cultura com aspas. São Paulo, Cosacnaify, 2009.
CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado. Cosacnaify.
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro, Editora Contraponto, 2013.
________________________. Imagens apesar de tudo. Lisboa, Editora KKYM. 2004.
________________________. A sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2011.
GASPARI, Elio. As ilusões armadas – volume 2: a ditadura escancarada. São Paulo, Companhia das Letras, 2002.
LOWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio – uma leitura das teses “sobre o conceito de história”. São Paulo, Boitempo editorial, 2005.SHOHAT, Ella, STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo, Cosacnaify, 2006.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo, Companhia das Letras, 2004.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo, Cosacnaify, 2002.
VALENTE, Rubens. Os fuzis e as flechas.