Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Cristina Valeria Flausino (ECA/USP)

Minicurrículo

    Jornalista, com 15 anos de experiência no mercado de impressos e televisão, migrou em 2001 para a área acadêmica, em universidades particulares, desenvolvendo cursos nas áreas do telejornalismo e das linguagens audiovisuais. Acaba de concluir o doutorado no programa de Meios e Processos Audiovisuais da ECA/USP no qual defendeu a tese: Rosto e rostidade: os modos de operar da máquina abstrata da rostificação.

Ficha do Trabalho

Título

    O enigma da imagem-afecção

Resumo

    O pensamento de Gilles Deleuze orienta nossas análises no sentido de compreender o conceito de imagem-afecção. Como um tipo de imagem enigmática, que se refere ao close-up, o objetivo dessa comunicação, como recorte da nossa tese de doutoramento, é recuperar imagens históricas do cinema de D. W. Griffith e de Sergei Eisenstein, cineastas que responderiam pelos polos reflexivo-intensivo da imagem-afecção, ocasião em que podemos refletir sobre o rosto no cinema fora dos muros das significações.

Resumo expandido

    Na busca de compreender como o rosto no cinema pode se tornar o lugar de recolhimento e de expressão dos movimentos retesados pelo corpo, ao apresentar o conceito de imagem-afecção encontrado na obra deleuziana, a comunicação tem como objetivo identificar nas imagens cinematográficas que privilegiam o rosto, as qualidades reflexivas e/ou intensivas que Gilles Deleuze encontra no close-up de filmes produzidos por volta dos anos vinte do século passado. A partir de uma articulação entre as imagens cinematográficas e o conceito de afeto, extraído do pensamento de Henri Bergson, a imagem-afecção apresenta-se como um tipo específico de imagem, na qual o rosto é privilegiado, definindo-se ora pela qualidade de expressar sentimentos comuns, como ternura, desconfiança ou medo; ora pela potência de migrar de um estado a outro. Ao transitar entre os polos reflexivo/qualitativo ou intensivo/potente, o que se pretende nesta comunicação, ao se resgatar imagens analisadas pelo filósofo francês, é recuperar a visão do filósofo, a partir de filmes de Griffith e de Eisenstein, trazendo de volta os modos como a máquina do cinema age sobre a imobilidade do rosto, produzindo afecções comparadas ao movimento dos ponteiros de um relógio sobre uma placa imóvel. Essa qualidade ou potência expressa pelo rosto se constitui, em nossa leitura, numa possibilidade de encontrar no close cinematográfico, vestígios do que se definirá como uma imagem enigmática, no sentido de que ela será capaz de produzir aquilo que move toda a filosofia deleuziana: o ato criativo e violento que é capaz de atingir nossas percepções e sensações, e que eleva o rosto, na visão do autor, à condição de uma entidade. O rosto-entidade é aquele que se apresenta quando somos afetados pelo seu encontro, quando, diante de sua aparição, ele se torna absoluto, a única imagem, aquela que ultrapassa os limites e irradia-se por todo o ambiente, uma condição de “frenesi” para Eisenstein ou ainda o “sentimento-coisa”, termo a que chegou Jean Epstein, talvez pela impossibilidade de tradução do modo como esse sentimento nos assola e se exprime por “pura afeição”. Nesse sentido, para Deleuze, o rosto será primeiro plano e o primeiro plano será rosto. Um rosto que deixa vazar os traços da rostidade, do qual se desprendem afecções que o tornam profundamente diferente do rosto das divas hollywoodianas, cujo sentimento é aprisionado pela máscara da maquiagem, por técnicas atorais ou mesmo por uma escola de direção cinematográfica. A imagem-afecção é, portanto, o caminho para se compreender o que leva a personagem ao desnudamento, que força a expressão diante das câmeras, que leva o ator a ultrapassar os limites do seu próprio contorno, rompendo com os muros da significação. A imagem-afecção traz à tona as subjetividades fundantes do próprio homem, por meio das potências de uma máquina que não cessa e produzir sentidos, exigindo sempre mais e mais observação. Essa forma de transmutação põe fim à comunicabilidade fácil, suspende os processos de individuação, o que representaria, na visão do filósofo, o vazio, a ausência, um tipo de medo que caracteriza o rosto no cinema. Como em Persona, o clássico filme de Ingmar Bergman cujas personagens trocam de lugar e incorporam-se. Por meio de jogos intensivos de luz e sombras, o cineasta produz um (falso) assemelhamento entre os rostos das atrizes, expondo de um modo que ainda hoje produz inúmeras reflexões, a imagem-afecção, na qual o rosto é uma zona de indistinção, instalando entre nós a dúvida, a incerteza, o próprio enigma a imagem.

Bibliografia

    DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
    ______. Cinema I: A Imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.
    ______. Cinema I: A Imagem-movimento. São Paulo: Editora 34, 2018.
    ______; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 3. São Paulo: Editora 34, 1996.
    EPSTEIN, Jean. A Inteligência de uma Máquina (trechos de Écrits sur le Cinéma. France: Textimages, 1921-1952). In: XAVIER, Ismail. A Experiência do Cinema: antologia. (Org.). Rio de Janeiro: Edições Graal/Embrafilme, 1983. (Coleção Arte e Cultura, n. 05).
    FABBRINI, Ricardo. Imagem e enigma. Viso: Cadernos de estética aplicada, v. X, n. 19. Jul.-Dez. 2016, p. 241-262. Disponível em: . Acesso em: 11 out. 2018.