Ficha do Proponente
Proponente
- Rubens Luis Ribeiro Machado Júnior (CTR/ECA-USP)
Minicurrículo
- Formado em arquitetura e urbanismo pela USP, lecionou estética e história da arte na FAU-FEBASP. Doutor pela ECA-USP, onde é prof. titular lecionando História, Análise e Crítica. Pesquisador e curador nos projetos “Marginália 70”, Itaú Cultural, e “Experimental Media in Latin America”, Los Angeles Filmforum/Getty Foundation. Lidera o grupo de pesquisa CNPq “História da experimentação no cinema e na crítica”. Conselheiro em várias gestões da SOCINE, onde criou o ST Cinema como arte, e vice-versa.
Ficha do Trabalho
Título
- Tentando criticar efetivamente o filme LIMITE (1931), de Mário Peixoto
Resumo
- A impressão que partilhamos é a de que LIMITE faria jus às mais elaboradas categorias conceituais em disponibilidade na literatura especializada, ou mesmo exigiria o esboço de algumas novas. Um maior revelar crítico do seu “realismo poético” e do seu “ritmo” estariam a requerer tentativas ainda mais sedimentadas na análise empenhada em campo estético diversificado, talvez com aportes e articulações comparativas que sua extrema singularidade no contexto específico de realização possa ter inibido.
Resumo expandido
- Um desafio que nessa análise se encerra seria o de lidar com o transcendente que ali se impõe, se cristaliza, se coagula, e nos põe à deriva da própria obra ao analisá-la – sem que consigamos discutir a produção desta deriva pela fita, pela experiência que dela temos. Configura-se no conjunto um olhar coerente de contemplação poética, a um tempo realista e metafísica do mundo. Para usar as palavras do crítico Vinicius Dantas, na superfície da imagem cruzam-se várias intensidades, não estando escravizadas a um referente: “O significado da imagem para Mário Peixoto é quase musical, precário na duração, sutil nesta instabilidade”. Como dar conta de sua análise crítica sem tocar em sua beleza?, sem se perguntar sobre o seu disperso sublime, efeitos de grande alcance, inopinados?, falar dos sentimentos estéticos que produz?, de sua expressão pela felicidade das formas a eles correspondentes, tão encantadoras quanto a força irradiante da sua precária unidade?, buscar de sua atmosfera o singular?
É filme de “cadência lenta, triste e fúnebre, às vezes majestosa” (Saulo Pereira de Mello), que se vê ordenado com “coração de chumbo”, em tom de “fatalidade”. Um caminho promissor e no caso ainda pouco trilhado seria a frequentação do universo literário de Peixoto. Por exemplo parece-nos um terreno fértil a filiação modernista do seu livro de poesia Mundéu, publicado em 1931, mesmo ano de LIMITE. Mário de Andrade escrevia sobre o livro que “se tem a impressão do jato violento, golfadas irreprimíveis. São poemas que nascem feitos, explosões duma unidade às vezes excelente, em que o movimento plástico das noções e das imagens é incomparável dentro da nossa poesia contemporânea”. O poeta paulista parece estar falando também do Peixoto cineasta, que desconhecia, ainda quando postula que sua poética se desenvolve em torno de um jogo entre “terra e mistério”. Deixa-nos alguma sugestão de que ingressamos num momento transitório do modernismo, entre uma 1ª onda e a 2ª, atraída para o regional.
Considere-se no entanto que para a avaliação de LIMITE a comunicabilidade entre meios de expressão diferentes talvez se ofusque diante do impacto plástico e rítmico tão especificamente fílmico que sofremos. Sua espantosa sintaxe formal, lânguida e esparramada, prefigurando magnificamente uma “tropical melancolia” tão buscada mais tarde, talvez não encontre paralelos no país senão na fluidez lamentosa e interminável da música de um Villa-Lobos, cujo infinito Choro N°11, com mais de uma hora de execução, é ainda contemporâneo do filme. “Obra única” da filmografia, como se diz, não só de Peixoto, mas do país, e do mundo, este verdadeiro “corpo estranho” no cinema brasileiro da época, pareceria com efeito manter maior parentesco, ou mais seguro, com o cinema europeu de vanguarda. Pode-se aproximá-lo das experiências francesas dos anos 1920 com o ritmo e encenação (L’Herbier, Dulac, Epstein, Gance, Chomette, Deluc, Cavalcanti); talvez da contemplação da Natureza em Flaherty; da cadência amorosamente lenta de Dovjenko. Mas algo nos diz que estes parentescos são tão longínquos quanto o modo alla Antonioni com que se exprime a paralisia dos personagens através da captação que a câmera faz do espaço.
Júlio Bressane abstrairá que esse filme “é um fotograma transparente, branco, onde a sombra é que organiza a imagem.” Desde o começo um mesmíssimo tom perpassa o filme duma calmaria funesta emoldurando a tudo; imerge-se inteiro no agourento clima de bonança-e-borrasca, pressagiadas ambas desde o começo até ao arremate da fita, já de início pelos galhos ressequidos, o negro esvoaçar dos urubus, ou no escorrido do letreiro “Limite” em lúgubre fleuma, transpiração expressionista da grafia art déco. Tristes bananeiras abandonadas ao convívio de árvores destocadas, terrenos semi-desbastados em poda incompleta, avistados de cancelas e caminhos trilhados por vidas passantes, elas também ceifadas no perder-se das distâncias que não se cumprem, não se podem mais cumprir.
Bibliografia
- Andrade, O. de. “O divisor das águas modernistas”, Estética e política. (org. M. E. Boaventura) São Paulo: Globo, 2011.
Bressane, J. Alguns. Rio: Imago, 1996.
Candido, A. “A Revolução de 1930 e a cultura”, A educação pela noite. São Paulo: Ática, 1987.
Dantas, V. “Alma sem limite”, Filme & Cultura n°43, Rio, Embrafilme, 1984.
Mello, S. P. de. Limite. Rio: Rocco, 1996.
Naves, R. “O olhar difuso: Notas sobre a visualidade brasileira”, Gávea n°3, Rio, PUC, 1986.
Peixoto, M. Mundéu. Rio: 7Letras, 1996.
___ O inútil de cada um. Rio: 7Letras, 1996.
Rocha, G. “Limite”, Folha de S. Paulo, 3/6/1978.
___ Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio: Civilização brasileira, 1963.
Roizman, G. B. Mário Peixoto, um olhar fenomenológico. Mestrado IA-UNESP, 2003.
Teixeira, F. E. “Rebrilho do tempo intangível”, O terceiro olho. São Paulo: Perspectiva, 2003.
Weiss, P. “Peixoto: Limite”, Cinéma d’avant-garde. Paris: L’Arche, 1989.
Yamaji, J. Estudo sobre LIMITE de Mário Peixoto. Mestrado ECA-USP, 2007.