Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Ceiça Ferreira [Conceição de Maria Ferreira Silva] (UEG)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB). Professora e pesquisadora do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG), onde desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão nas áreas de comunicação e cultura, cinema, raça e gênero.

Ficha do Trabalho

Título

    Mulheres negras e imaginários sobre gênero e raça na recepção fílmica

Seminário

    Cinema Negro africano e diaspórico – Narrativas e representações

Resumo

    Considerando a representação e a recepção como âmbitos interligados no circuito contínuo de produção de sentido, este trabalho analisa a construção de protagonistas negras criadas por participantes de uma pesquisa de recepção fílmica. A partir da caracterização e da trajetória dessa personagem imaginada, busca-se investigar os imaginários sobre gênero e raça, e também identificar se (e quais) outras posições-de-sujeito são oferecidas às mulheres negras.

Resumo expandido

    Ao analisar a representatividade de gênero e raça no cinema brasileiro nos últimos vinte anos, CANDIDO et al. (2016) destacam a posição de centralidade das personagens, na qual apenas 1,4% das atrizes negras são protagonistas, o que evidencia uma assimetria específica que recaem sobre tais sujeitos sociais e confirma a predominância de um ponto de vista branco e masculino na cinematografia nacional. Também na pesquisa em Comunicação e Cinema no Brasil, a investigação sobre o cruzamento de gênero e raça se constitui uma lacuna, tanto no âmbito da produção, quanto da recepção (FERREIRA, 2017; JACKS, HASTENPFLUG, 2016), o que se articula ao histórico não reconhecimento de raça na sociedade brasileira.

    Considerando tais contextos de escassez, é que este trabalho investiga a construção de protagonistas negras, elaborada durante uma pesquisa de recepção do filme Bendito Fruto (Sérgio Goldenberg, 2004), realizada em três grupos de discussão (1-estudantes universitários/as, 2-membros de uma associação de idosos/as e 3-servidores/as públicas) (FERREIRA, 2018). Após a aplicação do modelo codificação/decodificação de Stuart Hall para discussão do filme, foi solicitado às/aos participantes a construção de uma micronarrativa, na qual a protagonista fosse uma mulher negra.

    Se os sentidos oferecidos pelo filme demonstraram formas diferenciadas de interpretação (preferencial, negociada e oposicional), as micronarrativas orais fizeram emergir de maneira preponderante os imaginários sobre gênero e raça ou “imagens controladoras”, nos termos de Patricia Hill Collins (2000), que limitam o reconhecimento das mulheres negras brasileiras ao corpo e aos afetos, aliás, à escassez de afeto. Isso pode ser observado na caracterização e na trajetória da personagem, conforme elencado a seguir:

    • O destaque dado ao cabelo como elemento de hierarquização (vincula sua aceitação ao fenótipo) e de afirmação identitária da personagem, que assume tal traço físico a partir de um sentido político (grupos 1, 2 e 3);
    • A relevância de modelos culturais e estéticos como matrizes de representações femininas, como a princesa e a miss, com as quais as participantes negociam ao apontar também um referencial de beleza negra, a negra Anastácia (grupo 3);
    • A predominância de personagens jovens, com ocupações que se assemelham às das/dos participantes (grupo 1), bem como posições de poder e prestígio (juíza/presidente da República) imbuídas de uma conotação política, um desejo de representatividade (grupos 1 e 3);
    • Ora a negação e a abstração de conflitos e desafios relacionados à cor/raça, ora a afirmação e o reconhecimento de assimetrias evidenciam a não aceitação social da protagonista feminina negra, aspecto que delimita seus sonhos e objetivos à necessidade de lutar, superar e vencer (grupos 1, 2 e 3).

    As possibilidades de deslocamento de sentidos nessas micronarrativas mostram-se escassas, pois embora observe-se uma tentativa de oposição ao estereótipo de objeto sexual, a falta de afeto permanece na existência solitária, na história de luta e de superação dessa protagonista, que, mesmo rica e/ou bem-sucedida, não é aceita. Apenas em duas narrativas do grupo 1 é possível identificar outras posições de sujeito para as mulheres negras, como a protagonista lésbica que sonha em ser presidente do país, tem vínculos afetivos e está inserida em um contexto familiar completo; e a personagem batalhadora, que trabalha o dia todo, cria os filhos sozinha, mas tem subjetividade e desejos.

    Portanto, pode-se considerar que o sistema escravista, colonial e patriarcal que sustenta o imaginário cultural brasileiro incide não somente sobre as formas de representação, mas também nos modos de ver, conforme demostra a dificuldade de vislumbrar, de imaginar as mulheres negras além dos estereótipos.

Bibliografia

    CANDIDO, Marcia R. et. al. A Cara do Cinema Nacional: gênero e raça nos filmes nacionais de maior público (1995-2014). Textos para discussão GEMAA. Rio de janeiro, n.13, p.1-20, 2016.

    COLLINS, Patricia H. Black feminist thought: knowledge, consciousness, and the politics of empowerment. 2nd edition. New York: Routledge, 2000.

    FERREIRA, Ceiça. Lacunas nos estudos de comunicação e cinema no Brasil: feminismo (e a intersecção de gênero e raça) e recepção fílmica. MATRIZes, São Paulo, v. 11, n. 3, p. 169-195, 2017.
    _______. Memorias visuais sobre mulheres negras na recepção fílmica. Contempo-ranea-Revista de Comunicação e Cultura, v. 16, n. 2, p. 389-407, 2018.

    JACKS, Nilda; WOTTRICH, Laura Hastenpflug. O legado de Stuart Hall para os estudos de recepção no Brasil. MATRIZes, v. 10, n. 3, p. 159-172, 2016.