Ficha do Proponente
Proponente
- CLOTILDE BORGES GUIMARÃRS (ECA/USP)
Minicurrículo
- 1984 – Graduação: Cinema – ECA/USP.
2008 – Mestrado: ECA/USP. Dissertação: O som direto e a voz do outro nos documentários brasileiros da década de 1960. Orientação: Prof. Dr. Eduardo S. Mendes.
2010 – Professora da disciplina Direção de Som no Curso de Cinema da FAAP-SP
2016 – Doutoranda na ECA/USP. Orientação: Prof. Dra. Patricia Moran Fernandes
Desde 2002, organiza debates sobre som na Semana ABC.
Atividade profissional: https://www.imdb.com/name/nm0096601/?ref_=nv_sr_1?ref_=nv_sr_1
Ficha do Trabalho
Título
- À ESCUTA DE TELEFONE SEM FIO, VIDEO-ARTE BRASILEIRA DE 1976.
Seminário
- Estilo e som no audiovisual
Resumo
- Este trabalho quer discutir experimentações sonoras dentro da produção audiovisual brasileira na sua intersecção com as artes visuais e por isso escolhemos pesquisar a produção videográfica. Nos interessou a liberdade que os videoartistas possuem para explorar temas como a escuta, a sonoridade, o comportamento do som no ambiente e nas mídias e que de alguma maneira definem nossa condição geográfica, cultural e social.
Resumo expandido
- Experimentar é testar um procedimento sem conhecer de antemão o resultado, e foi esta atitude que produziu investigações sonoras pioneiras e variadas: com o ruído sonoro, em The Trip (1974) de José R. Aguilar; com a voz e a escuta em Telefone-sem-fio (1976), de Anna Bella Geiger, Leticia Parente, Fernando Cocchiarale, Ivens Machado, Miriam Danowski, Paulo Herkenhoff e Sonia Andrade e com a composição eletrônica em Vt Preparado AC-JC (1986), de Pedro Vieira e Walter Silveira. Nesta primeira parte da pesquisa, escolhemos começar a analisar a abordagem sobre a escuta e a voz em Telefone sem fio (1976).
A produção carioca de vídeoarte deste período assimilou procedimentos da arte da performance. O performer trabalha com a expressividade do corpo numa situação comportamental resignificada (GLUSBERG, 2009). Telefone sem fio é uma brincadeira infantil, que consiste em que pessoas, sentadas em roda, cochichem palavras no ouvido das outras, que serão reveladas no final. O vídeo começa com letreiros ao som de um telefone que toca, aludindo à solicitação de um contato/relação, em seguida os artistas performam a brincadeira para a câmera.
Como Arlindo Machado já nos havia alertado, o estudo de obras vídeográficas nos impõe o desafio de lidar com “um objeto híbrido, camaleônico, de identidades múltiplas, resistente a qualquer tentativa de redução, muitas vezes nem mais objeto, mas acontecimento, processo, ação dissolvido em outros fenômenos significantes” (MACHADO, 2008: 10).
Por seu caráter aberto e processual, este vídeo proporciona várias possibilidades interpretativas (ECO,1991), muitas delas associadas ao momento político em que foi feito, 1976. Uma delas poderia ser a de uma crítica à TV, pondo à mostra o ruído comunicativo; outra, mostrando o momento de censura em que vivíamos, salientando o ato de trocar palavras em segredo. Ao confrontar a palavra do início à do fim, o grupo de artistas se diverte com os resultados por causa da troca de forma e sentido que as palavras vão ganhando, expressando, como ato de resistência, a alegria de negar o poder da língua (BARTHES,1980) e, por consequência, à todas as formas de poder e autoridade. Para isso são usados o riso, o deboche e a subversão.
Outra possibilidade interpretativa se insere numa análise de poéticas contemporâneas da vocalidade (sonoridade da voz), se percebermos nesta experimentação com a sonoridade da palavra uma expressão do pioneirismo deste grupo nesta área. Diferentemente dos americanos Paik, Vasulka, T. Conrad, B. Viola, músicos experimentais (ROGERS, 2013), nossos videoartistas vinham das artes visuais, e em decorrência de uma característica intrínseca à essa mídia (gravação de som simultânea à da imagem) acabaram explorando este elemento inadvertidamente.
A performance registrada pelo vídeo faz referência à etimologia da palavra escutar (do latim auscultare: ouvir com atenção), mostra o gesto da boca que fala ao ouvido de outro, que escuta atentamente de forma privada, um índice não oral de uma performance sobre escuta, naquilo que ela tem de relacional – a voz do outro que me toca e ressoa em mim (NANCY, 2014), nos chamando a atenção também sobre a possibilidade poética que a brincadeira com a sonoridade das palavras pode proporcionar.
Onomatopeia, aliteração, glossolalia, já eram conhecidas desde a antiguidade (HIGGINS, 1990). Os primeiros poemas fonéticos foram publicados no fim do séc. XIX. Os futuristas italianos e russos propunham libertar as palavras do jugo do significado. Músicos experimentais como Berio , Stockhausen , e Apergghis também exploraram a sonoridade da fala e do aparelho fonador. Experimentações feitas com a escuta voz em Telefone sem fio (1976), ficaram perdidas naquele tempo e espaço, pois não faziam parte de uma pesquisa sistemática deste grupo com o som. Nosso estudo pretende evidenciar este pioneirismo e dar ouvidos a algumas destas experimentações.
Bibliografia
- BARTHES, R. Aula. São Paulo: Ed. Cultrix, 1980.
ECO, U. Obra aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Ed. Pespectiva, 1991.
GLUSBERG, J. A arte da performance. São Paulo: Perspectiva, 2009.
HIGGINS, D. Los origenes de la poesia sonora: de la armonía imitativa a la glossolalia. In La Taverne di Auerbach, Alatri,1990.
HOLDERBAUM, F. Breve Análise dos Discursos nos Estudos sobre Voz e Vocalidades. XXVII Congresso ANPPOM. Campinas, 2017.
IAZZETTA, F. A imagem que se ouve. In: Prado, G.; Tavares, M.; Arantes, P. (org). Diálogos transdisciplinares, arte e pesquisa. São Paulo: ECA/USP, 2016.
MACHADO, A. (Org.). Made in Brasil: três décadas de vídeo brasileiro. São Paulo: Iluminuras/Itaú Cultural, 2007.
MACHADO, A. Introdução. In: MELLO, C. Extremidades do vídeo. São Paulo: Ed. Senac, 2008.
NANCY, Jean-Luc. À escuta. Belo Horizonte: Chão da Feira, 2014.
ROGERS, H. Sounding the Gallery: video and the rise of art-music. Oxford: Oxford University Press, 2013.