Ficha do Proponente
Proponente
- GABRIELA MARUNO (USP)
Minicurrículo
- Doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), onde desenvolve pesquisa sobre a trajetória de direção de Helena Ignez, sob orientação do Prof. Dr. Ismail Xavier.
Ficha do Trabalho
Título
- Excesso e mobilização cognitiva-corpórea em “Ossos”, de Helena Ignez.
Resumo
- No campo das políticas da visualidade, tudo que é acessado audiovisualmente tem uma dimensão política capaz de causar resposta cognitiva-corpórea. Neste prisma, analisaremos o curta “Ossos”, de Helena Ignez, happening cinematográfico inspirado na obra de Tadeusz Kantor. O filme é construído sob a centralidade do excesso, mas não pelo regime da obviedade e da reiteração, e sim pelos regimes do êxtase e das atrações, levando a uma mobilização dos corpos envolvidos na experiência fílmica.
Resumo expandido
- Neste trabalho, faremos uma breve análise de “Ossos”, curta-metragem dirigido por Helena Ignez em 2015. Neste curta, a diretora homenageia Tadeusz Kantor, artista visual polonês pioneiro do happening, entre outros feitos de igual impacto para a modernização da linguagem teatral. Sua obra mais conhecida é “A classe morta”, de 1975, um exercício reproduzido à exaustão por grupos teatrais do mundo todo e classificado como um clássico vanguardista. A sinopse de “Ossos” (um happening cinematográfico de 19 minutos, onde desnudar-se é um caminho para a liberdade e uma afirmação da alegria) torna perceptível que há, no curta, a assunção de uma dimensão política que busca causar uma resposta cognitiva-corpórea em quem o assiste. Neste sentido, faremos algumas proposições sobre como o regime do excesso e da atração direcionam esta resposta cognitiva-corpórea em um filme não inscrito na tradição da transparência e da suspensão, caso do curta de Helena.
No prisma das políticas da visibilidades, o filme é construído sob a centralidade do excesso, mas não pelos regimes da obviedade e da reiteração, próprios do melodrama, e sim pelos regimes do êxtase e das atrações. O regime do êxtase é compreendido como aquele que lê o corpo como vetor espetacular atrativo que se assume como fonte de estímulo, excitação, ressaltando até a sua dimensão espásmica. Em “Ossos”, o excesso localiza-se especificamente na coreografia urbana do elenco nu, no estado alternante de movimento e rigidez que os corpos assumem durante todo o filme, além do registro das situações de gozo, dor e auto-toque. No aspecto do regime de atrações, os quatro capítulos do filme podem ser compreendidos como eventos performativos capazes de suspender pré-configurações, captando a atenção do espectador para uma forma peculiar de mostrar, se inscrevendo nas expectativas do cinema usualmente classificado de experimental. Cada episódio se dá em uma locação, com alto destaque à interação do personagem com o espaço físico. Vistos em sequência, esses capítulos nos despertam um fluxo diferente de afetação do que quando vistos separadamente.
Já a reação cognitiva-corpórea a que almeja a dimensão política de “Ossos” é constatável na soma de dois elementos, que podem parecer paradoxais, mas que no filme são partes da mesma soma: o estranhamento, que perdura durante todo o filme (quem são essas pessoas? por que estão com estas roupas? por que estão nuas? por que dançam na praia?) deriva, essencialmente, da negligência por informações que são entendidas como pré-configuradas do produto cinematográfico; e a presença dos elementos típicos da tradição cinematográfica, como a música grandiosa, os planos epidérmicos nas cenas de nudez e erotismo, a câmera na mão e o foco doce.
O estranhamento e a tradição, juntos, provocam uma reação cognitiva-corpóreo e exercem dupla função: são elementos que nos mobilizam para o extra-campo e, portanto, nos levam a interrogar incessantemente o produto fílmico, ao mesmo tempo que mobiliza os corpos para dentro da experiência fílmica. Há de se detalhar que são mobilizações diferentes: os corpos espectatoriais são movidos pelo estranhamento, especialmente nas sequências em que há interação entre os desnudos e a cidade; os corpos impressos na tela conduzem a câmera e não são por ela conduzidos; já o corpo fílmico é mobilizado para a submissão, pois é a materialização de que é a câmera que se submete à coreografia do grupo, e não o contrário.
“Ossos” se configura, de fato, como um happening cinematográfico, uma experiência cuja dimensão política ativa respostas cognitivas-corpóreas não mobilizadas pela transparência, destacando Helena Ignez como autora de um conjunto fílmico fundamentado em preceitos bretchinianos, defensor de um projeto ideológico de crítica às relações de dominação e esteticamente construído sob o preceito do estranhamento – e, principalmente, como uma autora que abre mão do envolvimento banal de quem vê com o que é visto.
Bibliografia
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