Ficha do Proponente
Proponente
- Hannah Serrat de Souza Santos (UFMG)
Minicurrículo
- Doutoranda em Comunicação Social pelo PPGCOM/UFMG, dedica-se a pesquisar, desde a graduação, os modos de aparição ou de exposição dos povos e dos territórios periféricos no cinema. Integra o grupo de pesquisa Poéticas da Experiência (PPGCOM/UFMG), escreve para revistas e catálogos de mostras e festivais, e é crítica colaboradora das revistas Cinética e Rocinante.
Ficha do Trabalho
Título
- Coabitações e coexistências plurais no cinema de Sissako
Seminário
- Cinema Negro africano e diaspórico – Narrativas e representações
Resumo
- As dificuldades de comunicação e de reciprocidade entre os sujeitos mobilizam o cinema de A. Sissako, interessado nos movimentos migratórios, nas diásporas e na colonização nos territórios do Mali e da Mauritânia, experiências que atravessam a própria biografia do realizador. A partir disso, este trabalho pretende apresentar uma abordagem teórico-metodológica de investigação do cinema de Sissako, considerando as formas de escuta e de apreensão do visível convocados e elaborados em seus filmes.
Resumo expandido
- A tarefa de reconstituir reciprocidades possíveis, assim como de abordar, politicamente, as fronteiras e as cisões que impedem a interlocução e a comunicação entre os sujeitos, é aquela em que o cinema de Abderrahmane Sissako se engaja. Nesse sentido, cada filme a seu modo aborda os movimentos migratórios, as diásporas e a colonização nos territórios do Mali e da Mauritânia, ligados não apenas a um extracampo histórico, político e social que os atravessa e os mobiliza, mas também à própria biografia do realizador. Tendo isso em vista, este trabalho pretende apresentar uma abordagem teórico-metodológica de investigação do cinema de Sissako, considerando as formas de escuta e de apreensão do visível convocadas e elaboradas em seus filmes.
Buscamos produzir aproximações e avizinhamentos entre os filmes do realizador mauritano, especialmente os longas-metragens, A vida sobre a terra (1998), Heremakono (2002), Bamako (2006) e Timbuktu (2014), a fim de compreender encadeamentos e articulações possíveis, de um filme a outro ou de uma cena a outra, interessados no modo com que seu cinema dedica-se a relações (nem sempre harmônicas, mas também nem sempre conflituosas) entre a África e o Ocidente, o estrangeiro e o autóctone, o interior e o exterior. Nesse sentido, privilegiamos a escritura fílmica como ponto central de investigação, a fim de compreender, por exemplo, como, a cada filme e a cada enquadramento que dispõe os corpos no espaço, o cinema opera encontros entre diferentes mundos.
Atento ao alerta que nos fazia Arendt, como bem nos lembra Judith Butler, de que não podemos escolher com quem coabitar a Terra (desejo genocida de Eichmann, que parece cada vez mais nos assombrar na contemporaneidade) nosso trabalho interessa-se pelos modos de coexistência das diferenças, mobilizando-nos na elaboração das questões que se dirigem aos filmes (e que eles também mobilizam). Nesse sentido, questionamo-nos como pensar os modos de aparição em comum ou de coabitação e de coexistência, nos filmes, tendo em vista como eles abordam a constituição e a demarcação de fronteiras, a força das experiências migratórias e diaspóricas, e uma relação entre os sujeitos (com seus corpos, seus rostos e suas vozes) e os territórios. Como o cinema, nesse sentido, seria capaz de exceder ou enfrentar os quadros normativos capazes de regular ou sobredeterminar essa aparição, contra as identificações fusionais, racistas e colonialistas? Pensando nas cenas de aparição a que o cinema dá lugar, é preciso considerar a necessidade de operar uma redisposição dos corpos, das vozes e dos discursos que se inscrevem ou se constituem nos filmes, fazendo frente às formas segregadoras de apreensão do visível – que, tantas vezes, supõem que o mundo poderia ser apreendido por um tipo ideal de espectador, tomado a partir de um ponto de vista privilegiado e dominante. A partir das proposições de autores/as como bell hooks e Manthia Diawara, acerca das espectatorialidades negras, questionando-nos como olhar e investigar as imagens considerando nossa perspectiva analítica que, por muito tempo, assentou-se não na pluralidade das aparências e das espectatorialidades, mas em certa compreensão universalizante dos modos de ser/aparecer, de ver e de ouvir brancos.
Para Frantz Fanon e também para Achille Mbembe, cujo pensamento filia-se ao intelectual da Martinica, a necessidade de constituição de um novo sujeito e, logo, de um novo mundo de “reconhecimentos recíprocos”, reporta-se ao desejo de “sair da grande noite”, essa lacuna noturna, colonial e racista, que recai especialmente sobre a África. Nessa esteira, interessa-nos compreender o modo com que o cinema de Sissako, ao contrário de incorporar e reiterar a imagem fixada que comumente é oferecida aos sujeitos “escravos de sua aparição”, como dizia Fanon, dá lugar a formas de aparecer mais justas e libertárias, tanto a partir daquilo que se inscreve nas cenas, como em relação aos olhares aos quais elas endereçam-se.
Bibliografia
- BAMBA, M.; MELEIRO, A. Filmes da África e da diáspora: objetos de discursos. Salvador: EDUFBA, 2012, p. 189 – 208.
BERNARDINO-COSTA, J.; MALDONADO-TORRES, N.; GROSFOGUEL, R (org). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2018.
BUTLER, J. Caminhos divergentes: Judaicidade e crítica do sionismo. São Paulo: Boitempo, 2017.
DIAWARA, M. O espectador negro – questões acerca da identificação e resistência. Trad. Heitor Augusto. Disponível em: https://ursodelata.com/2016/12/13/traducao-o-espectador-negro-problemas-acerca-da-identificacao-e-resistencia-manthia-diawara/. Último acesso: 18/04/2019
FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
HOOKS, B. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2009.
MBEMBE, A. Crítica da Razão Negra. São Paulo: n-1 edições, 2018.
________. Políticas da inimizade. Lisboa: Antígona Editores Refractários, 2017.
NANCY, J-L. A comunidade inoperada. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2016.