Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Patricia Furtado Mendes Machado (PUC-Rio)

Minicurrículo

    Patrícia Machado é doutora em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ, com sanduíche na Université Sorbonne Paris 3, e professora da PUC-Rio.

Ficha do Trabalho

Título

    Condensação e ressignificação: a retomada dos arquivos no cinema.

Seminário

    Cinema brasileiro contemporâneo: política, estética, invenção

Resumo

    Nossa proposta é pensar como o cinema brasileiro contemporâneo atualiza o duplo gesto de retomar imagens de arquivo e, no processo de remontagem, construir para elas novos sentidos. Estratégias como condensação ou ressiginificação de sentidos serão pensadas a partir de curtas brasileiros recentes realizados com arquivos audiovisuais: Autopsia (2016), de Mariana Barreiros e O golpe em 50 cortes ou A corte em 50 golpes (2017) de Lucas Campolina e Impeachment (2016, Diego de Jesus).

Resumo expandido

    Em recente artigo publicado no Brasil, o crítico e cineasta francês Jean Louis Comolli faz uma afirmação categórica: “os arquivos audiovisuais são hoje o lixo do mundo espetacular” (2017, pg.10). Diante do excesso e da circulação veloz de imagens televisivas, publicitárias e de entretenimento, da sua fabricação instantânea e disponibilização facilitada, do armazenamento e esquecimento em poucas horas, Comolli encarna uma espécie de pessimismo que dá a entender uma disposição ao discurso radical. No entanto, conhecendo a sua trajetória, os trabalhos que realizou com imagens de arquivo, suas inspirações filosóficas e teóricas e, principalmente, aprofundando a leitura do texto, entendemos que a frase é uma espécie de provocação.
    Se até a Segunda Guerra, os arquivos audiovisuais eram preciosos porque enigmáticos e raros, Comolli passa a encará-los como restos e sobras na medida em que se tornam excessivos e excedentes. Para extrair dessas imagens e sons novas potências, a remontagem desse material na produção de documentários torna-se uma estratégia instigante. No cinema brasileiro contemporâneo, arquivos audiovisuais de diferentes procedências tem sido retomados e a montagem usada como estratégia para retirar das imagens os sentidos nelas cristalizados, para contrapor discursos consolidados, para condensas efeitos suspensos no fluxo contínuo de publicização desse material.
    Nossa proposta é pensar como o cinema brasileiro contemporâneo atualiza o duplo gesto de retomar imagens de arquivo e, no processo de remontagem, construir para elas novos sentidos. Estratégias como condensação ou ressiginificação de sentidos serão pensadas a partir de curtas brasileiros recentes realizados com arquivos audiovisuais: Autopsia (2016), de Mariana Barreiros e O golpe em 50 cortes ou A corte em 50 golpes (2017) de Lucas Campolina e Impeachment (2016, Diego de Jesus).
    Esses filmes são importantes porque fazem parte de um cenário estabelecido na última década em que notamos um crescimento expressivo no volume de filmes brasileiros que possuem como recurso central a retomada de imagens pré-existentes. Esses materiais heterogêneos, de vários formatos e origens, consistem em filmes amadores, familiares, industriais, militantes e publicitários, cinejornais, imagens operatórias como as de câmeras de segurança, além de programas de TV e vídeos publicados em redes sociais e sites da internet.
    São essas imagens, inseridas em um fluxo contínuo de informação e entretenimento, que Comolli chama de “testemunhas da nossa passagem coletiva por esse mundo”, motivo suficiente para nos “fazer tremer” (2017, pg.11). No entanto, o próprio Comolli propõe que, diante do inevitável, diante dessas imagens que nos atravessam mas que não as enxergamos, o que nos resta é se perguntar: “como olhar o que não nos olha? Como desejar o que não nos deseja?” (2017, pg.11). A sugestão é desmontar as imagens para depois remonta-las e fazer com que o cinema ganhe desse modo uma função didática: que nos ensine a reaprender a ver, escutar e desejar.
    A montagem é a estratégia solicitada por Comolli e pelos curtas que serão analisados para enfatizar sentidos congelados, para estabelecer novas relações entre sons e imagens, para aproximar o que está distante, tornar visível o invisível e experimentar novos modos de perceber, sentir e se relacionar com o mundo.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. Difference and repetition: on Guy Debord´s films. In: Art and the moving image- a critical reader. Tate, Afterall 2008
    COMOLLI, Jean-Louis. Limpeza espetacular das imagens passadas. Revista ECO POS- Imagens do presente, vol.20, n.2, 2017.
    Debord, Guy e WOLMAN, Gil. Mode d’emploi du détournement. Les Lèvres nues. Bruxelas, n.8, maio, 1956.
    LEANDRO, Anita. Desvio de Imagens. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós Graduação em Comunicação. E- Compós. Brasília, vl.15, n1, jan/abril 2012.
    MACHADO, Patrícia. Efeito de real e reversão dos sentidos: o uso dos arquivos no cinema brasileiro contemporâneo. Catálogo da Mostra Tiradentes. Universo Editora, 2018.
    RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Lisboa, Orfeu Negro, 2010