Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Daniel P. V. Caetano (Uff)

Minicurrículo

    Professor Adjunto do Departamento de Artes e Estudos Culturais no IHS-UFF, em Rio das Ostras. Produziu e dirigiu três longas-metragens, um média documentário e quatro curtas. Organizou livros sobre o cinema brasileiro pós-retomada e sobre o filme “Serras da Desordem”. Terminou em 2019 uma pesquisa de pós-doutorado junto ao PPGMPA-USP sobre determinados períodos da carreira de Carlos Reichenbach. Anteriormente, foi colaborador de revistas como Filme Cultura, Contracampo e Cinética.

Ficha do Trabalho

Título

    Os arquivos de Carlos Reichenbach – roteiros roteiros roteiros

Resumo

    Esta comunicação se propõe a comentar alguns dos roteiros e argumentos encontrados no acervo pessoal de Carlos Reichenbach para analisar determinados dilemas e desafios enfrentados por ele, recorrentes em sua carreira, e assim compreender certas escolhas que marcaram seu percurso e seu trabalho. Foi através do recurso a textos diversos, tanto de roteiros como de memórias e entrevistas, que foi possível reconstruir as questões e os objetivos que o moveram.

Resumo expandido

    Esta comunicação se propõe a comentar alguns dos roteiros e argumentos encontrados no acervo pessoal de Carlos Reichenbach para jogar luzes sobre determinados dilemas e desafios enfrentados por ele, recorrentes em alguns momentos da sua carreira, e assim observar como se deram certas viradas radicais que marcaram seu percurso e seu trabalho. Para examinar a trajetória de um cineasta, seus filmes são o resultado final de suas propostas e práticas, mas é através do recurso a textos diversos de memórias e entrevistas que pude reconstruir as questões e os objetivos que moveram o cineasta àqueles resultados finais.

    Ao longo de minha pesquisa, concluí que Carlos Reichenbach teve diante de si três questões (ou desafios) que ele buscou superar, tendo obtido sucesso nas três. A primeira questão que se impôs ao cineasta, nesta perspectiva que proponho, já foi levantada e esmiuçada em minha tese de doutorado – trata-se de um conceito que frequentemente fundamenta a criação artística e remete a uma perspectiva existencial: a crença num horizonte utópico. Ao apresentar as trajetórias e dilemas dos seus heróis nas pornochanchadas “A ilha dos prazeres proibidos” e “Império do desejo”, Reichenbach conseguiu superar o “bode” existencial que marcava a falta de horizontes utópicos para sua geração. Era possível pensar uma nova forma de convívio social, demarcada pela decisão de abandonar velhos paradigmas e instituições. Foi assim, contrabandeando o universo udigrudi ao esquemão comercial das pornochanchadas, que Reichenbach superou essa primeira questão decisiva.

    A segunda questão que se apresentou foi de natureza prática: como produzir filmes sem os mínimos recursos? Reichenbach por décadas repetiu um dito atribuído a Roberto Santos: o desafio do cinema brasileiro é tornar a falta de recursos um elemento criativo. Dita de tal maneira, a afirmação oculta questões de domínio técnico e condições financeiras que são determinantes para a perspectiva industrial da produção cinematográfica. Pois Reichenbach se viu diante desse desafio prático de forma dramática em pelo menos três vezes na sua carreira: nessas três ocasiões, a produção das filmagens já estava em pleno andamento quando se tornou claro que não havia recursos suficientes para terminar o projeto tal como havia sido planejado. A notável evolução técnica e artística de Reichenbach ao longo dos seus anos de formação fica evidente quando comparamos os resultados que obteve diante desses desafios.

    A terceira questão que desafiou Carlão Reichenbach ao longo de sua carreira e que ele buscou superar também era essencialmente prática: num país como o Brasil, como estabelecer um esquema de produção contínua de filmes feitos com independência e criatividade? Reichenbach sempre teve como modelo o trabalho de Roger Corman , que filmava com orçamentos baixos, criatividade na produção e jovens talentos. Conforme depoimento de Inácio Araújo, Reichenbach sonhava estabelecer na Jota Filmes um modelo idêntico. O mesmo desejo moveu Reichenbach a se unir a colegas de filmes da Boca do Lixo na empresa cooperativa Embrapi (Empresa Brasileira de Produtores Independentes). E o mesmo objetivo de criar um esquema no estilo de Roger Corman também motivou Reichenbach a capitanear um novo projeto coletivo de produção contínua de filmes: a Casa de Imagens, que ele abriu em sociedade com Inácio Araújo, Andrea Tonacci, André Luiz de Oliveira, Guilherme de Almeida Prado e Julio Calasso. Após três tentativas frustradas de organizar o seu esquema de produção de filmes de forma sólida e contínua, em meados dos anos 1990 Reichenbach fez sociedade com a produtora Sara Silveira e criaram a Dezenove Produções. Reichenbach pôde então fazer suas produções com mais recursos financeiros – e hoje a empresa é reconhecida no meio por suas produções autorais de jovens talentos. Tal qual o cineasta almejou concretizar ao longo de praticamente toda a sua carreira. Assim, ele superou este terceiro desafio.

Bibliografia

    CAETANO, D., Entre a transgressão vanguardista e a subversão da vulgaridade: os casos de Carlos Reichenbach e Alberto Fischerman. Tese de Doutorado. Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
    FERREIRA, J., Cinema de Invenção. São Paulo: Max Limonad, 1986.
    LYRA, M., Carlos Reichenbach: o cinema como razão de viver. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004.
    MACHADO JR., R. (org,) “Fora de quadro: Carlos Reichenbach Filho”. Rebeca ano 1, nº2, 2012. Disponível em 26/02/2019 em: https://rebeca.socine.org.br/1/issue/view/6
    ORTIZ RAMOS, J. M., Cinema, televisão e publicidade: cultura popular de massa no Brasil nos anos 1970-1980. São Paulo: Annablume, 2004 (2ª ed.)
    REICHENBACH, C., ABC Clube Democrático: 4 roteiros de Carlos Reichenbach. São Bernardo do Campo: MP Editora, 2008.
    VIEIRA, J. L. “Este é meu, é seu, é nosso: introdução à paródia no cinema brasileiro”, Revista Filme Cultura nº 41/42, de maio de 1983.