Ficha do Proponente
Proponente
- YANET AGUILERA VIRUEZ FRANKLIN DE MATOS (Unifesp)
Minicurrículo
- Professora Dra. de História do Cinema do Dpto de História da Arte da EFLLCH da UNIFESP. Autora dos livros: MEMÓRIAS IMPOSSÍVEIS. Memorial da América Latina, Uri, 2017; IMAGEM, MEMÓRIA E RESISTÊNCIA, Discurso Editorial, São Paulo, 2016; IMAGENS DE UM CONTINENTE. E-book, Memorial da América Latina, São Paulo, 2016; e IMAGEM E EXÍLIO, Discurso Editorial, São Paulo, 2015. Organizadora e coordenadora do Colóquio de Cinema e arte da América Latina (em sua VII edição)
Ficha do Trabalho
Título
- A comédia mexicana no cinema de Luís Buñuel
Seminário
- Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados
Resumo
- Em Simón del desierto (1965), o embate performático e discursivo dos atores Silvia Pinal e Claudio Brook, muito engraçado, insere a ironia surrealista numa comédia debochada. De modo que se pode sustentar que o filme é o resultado de um diálogo importante do cinema de Luís Buñuel com a comédia mexicana. Esta aliança vai abrir caminhos novos para entender a comédia da América Latina e perceber a característica específica do riso e seus desdobramentos políticos provocados por ela.
Resumo expandido
- Em Simón del desierto (1965), o embate performático e discursivo dos atores Silvia Pinal e Claudio Brook, muito engraçado, insere a ironia surrealista numa comédia debochada. De modo que se pode sustentar que o filme é o resultado de um diálogo importante do cinema de Luís Buñuel com a comédia mexicana. Esta aliança vai abrir caminhos novos para entender a comédia da América Latina e perceber a característica específica do riso e seus desdobramentos políticos provocados por ela. A diferença da ironia com relação ao deboche passa por meandros conceituais que estão diretamente relacionados com as diversas teorias sobre o riso e as consequências políticas que se depreendem dela.
Em geral, o deboche não é nada diante da ironia, porque sempre foi tratado como uma forma “menor” e “grosseira” da comédia. Segundo Quintiliano, a ironia diz coisa diferente ou oposta ao sentido literal do que está sendo dito. Portanto, é essencialmente metafórica e apela para o intelecto de seu alvo, que é diminuído pela zombaria fraca que toda ironia contém. Estamos diante da concepção do riso tradicional, que vai de Aristóteles à Henri Bergson, no qual se estabelece uma relação de superioridade daquele que produz o riso às custas da inferiorização do outro que está na sua mira. É uma relação política hierarquizada, uma luta que busca destituir o outro do lugar que antes ocupava. A ironia coloca o eiron num lugar mais elevado, suprimindo as relações entre iguais que estavam supostas antes da contenda. No deboche, aquele que produz o riso já está rebaixado de antemão, pois se trata de um personagem que tem uma vida devassa, moralmente condenável. O debochado é alguém rebaixado, como a mulher e os latino-americanos, que ao provocar o riso atira contra aquele que o rebaixou para reinstaurar aquilo que se lhe tinha subtraído, o lugar das relações entre iguais. É na visibilização dos corpos e seus fluídos que a diferença entre as pessoas se apaga.
Concomitante ao deboche aliado à ironia surrealista o filme apela a iconografias das mais profanadoras, no sentido angambiano do termo. Em outro filmes, Buñuel já tinha recriado imagens blasfemas de quadros religiosos pops. É o caso da parodia da Última Ceia, de Leonardo da Vinci, em Veridiana. Em Simón del desierto, La Pinal encarna estampas que se distribuem quando as crianças e adolescentes fazem a primeira comunhão. Trata-se de um dos rituais mais importantes da igreja católica. A atriz está impagável parodiando Jesus adolescente como bom pastor. Pode-se fazer todo tipo de associações blasfematórias. Em La edad del Oro, Jesus já tinha sido representado pelo personagem do Duque de Blangis, um dos mais celerados nobres dos 120 dias de Sodoma, do Marquês de Sade. Porém, em Simón del desierto, a maior das blasfêmias se realiza: a de Jesus ser representado por uma mulher, que ainda por cima vai encarnar uma espécie de corista fantasiada de menininha. É claro que se trata do diabo. Porém entre a sedução sacrílega da Pinal e o Simón ridículo de Brook não há dúvida para onde se dirige a munição buñueliana. A profanação para Agamben, “significa abrir a possibilidade de uma forma especial de negligência, que ignora a separação, ou melhor, faz dela um uso particular”. Como profanar é um dos objetivos mais caros do surrealismo e o deboche é ignorar a separação hierárquica, a Pinal/diaba/Buñuel nos convida pensar politicamente a relação entre o surrealismo e o cinema da América Latina.
Bibliografia
- Bibliografia
AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo, Boitempo Editorial, 2007.
VLASTOS, G. Socratic Irony. Classical Quaterly, v. 37, p. 79-86, 1987.