Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Cid Vasconcelos de Carvalho (UFPE)

Minicurrículo

    Prof. Do Depto. de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com várias publicações na área de cinema e audiovisual, boa parte delas voltada para relações envolvendo cinema e história.

Ficha do Trabalho

Título

    Ressignificando Imagens de Fundação

Seminário

    Cinemas pós-coloniais e periféricos

Resumo

    Proponho uma análise comparativa do documentário “Sobre a Violência” (Om Vald, 2014), de Göran Olsson com as produções igualmente documentárias “Kuxa Kanema – O Nascimento do Cinema”, (2003), de Margarida Cardoso e “As Duas Faces da Guerra” (2007), de Flora Gomes e Diana Andringa. Os três documentários possuem, em comum, lidarem em maior ou menor grau com “imagens de fundação” de ex-colônias portuguesas, porém o uso delas terá uma moldura interpretativa distinta em cada caso.

Resumo expandido

    Minha proposta exploratória é a de efetivar uma análise do documentário “Sobre a Violência” (Om Vald, 2014), do realizador sueco Göran Olsson, que apresenta extenso material de arquivo vinculado às guerras coloniais e conflitos internos nos países africanos, predominantemente os colonizados por Portugal (Moçambique, Angola, Guiné Bissau), problematizando o uso de suas imagens de arquivo a partir de dinâmicas internas ao próprio documentário, mas igualmente as comparando com produções documentais africanas (em sistema de co-produção) que também fazem uso de imagens de arquivo como “Kuxa Kanema – O Nascimento do Cinema” (2003), de Margarida Cardoso e “As Duas Faces da Guerra” (2007), de Flora Gomes e Diana Andringa. Boa parte do repertório dessas imagens de arquivo em todas as produções citadas remetem ao que chamo de “imagens de fundação” de tais nações, já que o cinema não apenas surge como um dos meios mais efetivos de comunicação com a população no pós-independência, como acompanha, em momento anterior, as próprias lutas de libertação e, num plano que Convents (2011) chama de “cultura cinematográfica” (conjunto de imagens, histórias, cores, sons, técnicos, produtoras, publicações, etc), em momento ainda anterior, seria veículo de construção de uma cultura de identidade nacional através dos cineclubes. O cinema de imagens de arquivo, inclusive, vai ser discutido pioneiramente por Leyda na chave dos filmes que remetem a questões dos estados nacionais e da ressignificação de seus sentidos originais (Nichols, 2016). A utilização das imagens de arquivo raramente ocorre de forma desvinculada de comentários sobre as mesmas através dos mais diversos recursos imagéticos e sonoros. É o que acontece, por exemplo, nos momentos em que os veteranos militares do exército português revisitam e comentam as imagens do conflito brutal que vivenciaram na Guiné Bissau e da morte de um amigo em “As Duas Faces da Guerra” ou que os técnicos do Instituto Nacional de Cinema tecem observações sobre material ao qual participaram do processo de produção em “Kuxa Kanema”. No caso do filme de Olsson, não há o envolvimento afetivo-existencial com as imagens de arquivo utilizadas, sendo geralmente as mesmas pensadas a partir de um discurso teórico anti-colonial da autoria de Frantz Fanon homônimo ao título do filme. O protagonismo de ensaio de Fanon sobre a ancoragem histórica de tais imagens audiovisuais se dá pela colonização das imagens e sons pelo discurso do ensaio, inclusive de forma bastante literal, pela enormidade dos tipos utilizados para reproduzir o texto (na maior parte das vezes também lido por uma narração over) que muitas vezes surgem sobre as imagens de arquivo, mas também pela exclusão da reprodução da banda sonora original do material de arquivo, dentre outras. Algumas das mesmas cenas são compartilhadas por mais de um documentário, como a dos militares portugueses em situação limite de tensão no filme de Gomes e Andringa. Pode-se observar, em maior ou menor grau, uma ressignificação dessas imagens de fundação para propósitos distintos (um tema mais amplo, a revisão crítica das histórias nacionais), levando em conta, inclusive, a resistência à significação, que signos ao mesmo tempo indexicais e icônicos como a imagem podem vir a ter (Baron, 2017:11, a partir de Kittler). Enquanto a produção dirigida pelo sueco e o documentário de Cardoso fazem uso massivo de imagens de arquivo, essas serão utilizadas com maio parcimônia em “As Duas Faces da Guerra”, que parece o mais próximo da dimensão memorialista dos três, investindo, inclusive, no retorno ao espaço vivido dessas memórias como fonte de ativamento da memória por seus depoentes. No filme de Cardoso, por sua vez, essa ativação se dá em cima prioritariamente das imagens (o que o filme anterior não deixa de fazê-lo, a certo momento), e daqueles que as produziram e não as vivenciaram do lado de lá da câmera como em Andringa e Gomes, existindo uma revisão crítica maior sobre o observado.

Bibliografia

    BARON, Jaimie. The Arhive Effect, Found Footage and the Audiovisual Experience of History. Londres/Nova York: Routledge, 2013.
    CONVENTS, G. Os Moçambicanos Perante o Cinema e o Audiovisual. Maputo: Edições Dockanema/Afrika Film Festival, 2011.
    LEYDA, Jay. Films Beget Films – A Study of the Compilation Film. Nova York: Hill and Wang, 1971.
    NICHOLS, B. Speaking Truths with Films: Evidence, Ethics, Politics in Documentary. Oakland: U of California Press, 2016.
    ___________. Representing Reality. Bloomington: Indiana U Press, 1991.
    SOMMER, D. Ficções de Fundação. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011.
    WEES, William C. Recycled Images: The Art and Politics of Found Footage Films. New York: Anthology Film Archives, 1993.