Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Leonardo Couto da Silva (UFRJ)

Minicurrículo

    Mestrando do PPGCom-UFRJ na linha de Tecnologias da Comunicação e Estéticas. Orientado pela professora Consuelo Lins, pesquisa a obra cinematográfica do cineasta catalão Albert Serra.

Ficha do Trabalho

Título

    A atuação de Jean-Pierre Léaud em “A morte de Luís XIV”

Seminário

    Corpo, gesto e atuação

Resumo

    Neste trabalho será analisada a atuação de Jean-Pierre Léaud no longa-metragem “A morte de Luís XIV” (2016), dirigido pelo cineasta catalão Albert Serra. No filme, o ator interpreta Luís XIV em seus últimos dias de vida, preso, quase imóvel, ao leito real por conta da gangrena que toma sua perna. Busca-se compreender como o corpo de Léaud – que traz consigo uma determinada história do cinema – se comporta diante das proposições do diretor, indicando quais gestos podem marcar uma autoria do ator.

Resumo expandido

    No Festival de Cannes de 2016, o longa-metragem “A morte de Luís XIV”, dirigido pelo catalão Albert Serra, teve a sua estreia. Estrelado por Jean-Pierre Léaud, o filme apresenta os últimos dias de vida do grande monarca do Absolutismo Francês em seus aposentos reais no Palácio de Versailles. O rei, com a perna tomada pela gangrena, definha, quase imóvel, até a morte, enquanto os médicos que o assistem buscam medidas para lhe alongar a vida.

    Serra filma com enquadramentos fechados, que não fornecem uma total ideia da configuração espacial. Centra-se de forma geral em primeiros planos dos rostos dos personagens, que lembram os “screen tests” de Andy Warhol. A temporalidade dos planos é bastante estendida em relação à ação dramática que ocorre. Recorrentemente, há planos do Rei que duram cinco minutos ou mais, nos quais vê-se apenas o seu corpo deitado em descanso ou em agonia. Dessa maneira, o filme contrasta com o de Rossellini, “O Absolutismo: A Ascensão de Luís XIV” (1966), em que uma situação dada – a morte de um dos cardeais mais importantes da França – faz com que o jovem príncipe tenha que realizar determinadas ações, fazendo-o ascender ao poder e consolidar a monarquia.

    A iluminação contrastada e sombreada, assim como a duração alongada acabam por deformar o rosto de Léaud. O ator-símbolo da Nouvelle Vague nos anos 60, agora com 74 anos, tem a sua velhice explicitada: podemos ver todas as suas rugas do rosto e das mãos, que parecem imitar as dobras barrocas das roupas e objetos decorativos. A juventude da qual Léaud era representante no cinema se esvaiu. Ao encarnar uma personagem cujo esquema sensório-motor (DELEUZE, 2007) se deteriora, não se fazem mais presentes determinadas marcas de sua atuação, como a expressividade dos gestos das mãos, o tom cômico e irônico de sua voz, ou a explosão repentina. A fragilidade do corpo mostra a efemeridade da própria existência – um motivo especialmente barroco (BUCI-GLUCKSMANN, 2003) – até mesmo a do grande ícone do Absolutismo.

    Neste trabalho será analisada a atuação de Léaud no longa de Serra, refletindo sobre como seu corpo – que traz consigo uma determinada história do cinema – se comporta diante das proposições do diretor, quais gestos podem marcar uma autoria do ator. Para isso, será tomado como base comparativa um panorama de outros filmes em que o ator francês participou. São exemplos desses a série do personagem romântico e cômico Antoine Doinel, dirigida por François Truffaut, os filmes políticos de Jean-Luc Godard, em que Léaud interpreta mais de uma vez um militante verborrágico, e trabalhos mais recentes, como “Que horas são aí?” (2001) de Tsai Ming-Liang, nos quais o artista parece ser um símbolo da cinefilia e, portanto, pertencente a um passado nostálgico (BAECQUE, 2010).

    A nossa questão é fruto das colocações de Serra em seu pequeno artigo “The Dramaturgy of Presence” (2014), onde o cineasta defende a concepção do ator como um performer, em suas palavras, “um gerador de gestos irrepetíveis e fatais” (p.92). A dramaturgia da presença é uma metodologia de trabalho que coloca o ator como figura central, partindo das inspirações deste para a realização do filme. Dessa forma, Serra afirma que a técnica deva estar subordinada ao ator, e não o contrário. É o ator quem fará “a simbiose com a decoração, o ritmo, a cor” (p.93), ou seja, o espaço deve ser construído de forma a melhor lhe servir. “A morte de Luís XIV” foi filmado com três câmeras simultâneas, e boa parte das decisões sobre a fotografia delegadas ao cinegrafista. Serra admite não utilizar “video assist” em seus filmes, para, assim, estar sempre próximo do ator, atento às novidades que este traz para a cena planejada.

Bibliografia

    BAECQUE, Antoine de. Cinefilia. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
    BUCI-GLUCKSMANN, Christine. Esthétique de l’éphémere. Paris: Galilée, 2003.
    DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2009.
    JOSHI, Sonali. Jean-Pierre Léaud: star of the French cinema. PhD thesis, University of Glasgow, 2004.
    MOULLET, Luc. Politique des acteurs. Paris: Cahiers du Cinéma, 1993.
    SERRA, Albert. The dramaturgy of presence. In: Cinema Comparat/ive Cinema, Vol. II, No. 4, 2014. p.91-94.
    WEINER, Susan. Jean-Pierre Léaud’s Anachronism: The Crisis of Masculinity in Jean Eustache’s La Maman et la putain. L’esprit Créateur, [s.l.], v. 42, n. 1, p.41-51, 2002. Project Muse. http://dx.doi.org/10.1353/esp.2010.0460.