Ficha do Proponente
Proponente
- Claire Allouche (Université Paris 8)
Minicurrículo
- Graduada em cinema na França pela Université Paris 8 e pela ENS Ulm, fez também um intercambio na UNSAM na Argentina e defendeu a dissertação de mestrado “Territórios, Espaços e Sociedades” na EHESS (Paris). Está atualmente no doutorado, orientada por Dork Zabunyan e Thierry Roche na Université Paris 8, onde também leciona. Sua pesquisa trata da encenação de espaços não hegemônicos nas cinematografias argentina e brasileira contemporâneas como um modo de revitalização formal.
Ficha do Trabalho
Título
- Desde Contagem: processo e estética de dois “cineastas moradores”.
Mesa
- Experiências cinematográficas do morar
Resumo
- Através de uma análise da construção do espaço cinematográfico na Vizinhança do Tigre (2014) de Affonso Uchoa e em Temporada (2018) de André Novais Oliveira, queremos elaborar uma definição aberta do que seria um “cineasta morador”. Com isso, propomos problematizar a relação com o espaço vivido que afeta diretamente a forma do filme. Pretendemos também questionar o “lugar de olhar” e o lugar de fala do pesquisador em estudos cinematográficos.
Resumo expandido
- Contagem, cidade mineira periférica, virou um dos pólos mais ativos de produção do cinema independente brasileiro dos últimos cinco anos. Um traço estilístico interessante dessas produções vem da sua ancoragem documental em lugares que preexistem às obras. Entretanto, os filmes constroem espaços de fabulações possíveis, até efetivas, a partir da presença dos personagens centrais e dos potenciais de transformações no real que eles incorporam nas suas trajetórias. Nos concentraremos num diálogo entre dos longas-metragens que julgamos notáveis nesse aspeto: A Vizinhança do Tigre (2014) de Affonso Uchoa e Temporada (2018) de André Novais Oliveira.
O primeiro filme acompanha um grupo de jovens moradores do bairro Nacional em seu cotidiano, mas também ficcionaliza suas vidas, através de situações construídas em conjunto, a partir dos próprios lugares de vida. O segundo filme narra num modo pré-roteirizado a instalação de Juliana em Contagem, onde vai trabalhar na prevenção contra a dengue. Destacamos nesses dois filmes uma situação de estranhamento onde o cineasta parte de um espaço conhecido ou vizinho para filmar um lado inexplorado, com a cumplicidade dos protagonistas, navegadores citadinos. Essa reconfiguração da experiência do espaço vivido pelo cineasta através de um compartilhamento de uma nova experiência topográfica engendra a construção de imagens e sons através de duas sensibilidades corporais diferentes. Esse ponto chama nossa atenção como propostas de “avizinhamento” cinematográfico (para retomar uma noção de Érico Oliveira d’Araújo Lima) mas também no desenvolvimento da figura dos cineastas como moradores; não só porque eles já moravam em Contagem antes das filmagens, mas também porque filmam uma experiência dos lugares que transcende a descrição literal, através de um trabalho de projeções desde um lugar real, com a inquietação de retratar a essência do espaço vivido na sua espessura ardilosa.
Nesse sentido, queremos estudar os modos com os quais esses dois “cineastas moradores” trabalham a partir do espaço, com o espaço, num aspecto metodológico antes e durante a filmagem, e como esse caminho influencia a forma do filme, tanto sua estrutura global quanto sua estética específica. Será que para além da memória espacial preexistente, das narrativas do bairro às vezes incorporadas ao roteiro, as filmagens dos “cineastas moradores” contribuem com uma patrimonialização afetiva peculiar, a partir da ancoragem dos corpos e dos modos performáticos de atravessá-los? Como as estratégias de filmagem próprias aos filmes podem ser levadas em conta para desenvolver uma metodologia de análise fílmica justa?
Tentaremos responder com a elaboração mais aprofundada do termo de “cineasta morador”, discutindo também a distinção entre “espaço cinematográfico” e “lugar cinematográfico”, a partir de referências bibliográficas recentes sobre cinema e espaço, como Cinépratiques de la ville. Documentaire et urbanité après Chronique d’un été, de Camille Bui e Du parti pris des lieux dans le cinéma contemporain, de Corinne Maury. De fato, pensar o cineasta como “morador” implica afastarmo-nos bastante da conceitualização frequentemente abstrata do “espaço” para nos aproximar do “lugar” como entidade resultante da criação de um relação a partir da imagem, a partir do olhar e da presença física.
Para realizar esse trabalho a partir do nosso “lugar de pesquisa”, no caso a França, precisamos fazer uma aproximação tanto metodológica quanto reflexiva, incluindo as práticas dos cineastas, mas também nossa forma de estudá-las. A partir da Vizinhança do Tigre e de Temporada, queremos explorar também uma hibridação possível e desejável entre ferramentas da antropologia visual e da antropologia do espaço.
Bibliografia
- • AGIER Michel, « Les savoirs urbains de l’anthropologie », Enquête [En ligne], 4 | 1996, mis en ligne le 11 juillet 2013, consulté le 1 septembre 2017. URL : http://enquete.revues.org/683
• AUMONT Jacques, Limites de la fiction, Paris, Bayard, 2014.
• BAYARD Pierre, Comment parler des lieux où l’on n’a pas été ?, Paris, Les Éditions de Minuit, 2012.
• BELTING Hans, Pour une anthropologie des images, Paris, Gallimard, 2004.
• BUI Camille, Cinépratiques de la ville. Documentaire et urbanité après Chronique d’un été, Péronnas, Presses Universitaires de Provence, 2018.
• MAURY Corinne, Du parti pris des lieux dans le cinéma contemporain, Paris, Ed. Hermann, 2018.
• OLIVEIRA DE ARAUJO LIMA Érico, « Quando o cinema se faz vizinho », Significação, São Paulo, v. 44, n. 47, p. 51-70, jan-jun. 2017.
• PAQUOT Thierry, Des corps urbains: Sensibilités entre béton et bitume, Éd. Autrement, Paris, 2006.