Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    RODRIGO RIBEIRO BARRETO (UFSB)

Minicurrículo

    Rodrigo Ribeiro Barreto é formado em jornalismo pela UFBA. Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pelo PósCom/UFBA, tendo se dedicado à análise contexto-textual de videoclipes: construção de imagem, campo de produção e autoria. Entre 2011-2014, desenvolveu pesquisa FAPESP de pós-doutorado no Instituto de Artes da UNICAMP sobre objetificação e erotização masculina no audiovisual. Atualmente, é professor adjunto de Artes e Humanidades na Universidade Federal do Sul da Bahia.

Ficha do Trabalho

Título

    De Eddy a Marvin: homossexualidade e caminhos autorais da adaptação

Resumo

    Como parte de uma pesquisa sobre a representação de masculinidades no audiovisual, o trabalho aborda a adaptação do romance “O Fim de Eddy” de Édouard Louis no filme “Marvin”, dirigido por Anne Fontaine em 2017. Aproximações e distanciamentos textuais entre a obra original e a obra adaptada são analisadas, em abordagem texto-contextual, tendo em vista o agenciamento artístico e a trajetória de suas instâncias autorais mais proeminentes.

Resumo expandido

    Como parte de uma pesquisa sobre a representação de masculinidades no audiovisual, propõe-se aqui analisar a adaptação do romance “En finir avec Eddy Bellegueule” (2014) no filme “Marvin ou la belle éducation” (2017). A própria nomeação dos respectivos protagonistas no título original de cada obra já sugere um processo de transposição marcado pela diferença: no do livro de Édouard Louis, é trazido seu real nome de batismo, posteriormente abandonado pelo escritor; no do filme, destaca-se o primeiro nome do personagem adaptado, cuja vida adulta – superando os limites cronológicos e geográficos da narrativa literária – é uma criação do roteiro de Pierre Trividic e Anne Fontaine, a qual também assina a direção. À análise, as diferenças de abordagem e visões de mundo do escritor e da diretora são então notadas nas opções específicas de abordagem temática, desenho dos personagens, tom e motivação sociopolítica.
    Preliminarmente, os diferentes rumos tomados pela obra cinematográfica com relação à literária estão justificados pela tradução intersemiótica empreendida, partindo do verbal literário para suas combinações fílmicas com imagens, sons e música. Há, ainda, uma mudança ontológica, como diria Linda Hutcheon (2013), entre a narrativa literária de Louis – real, confessional e socialmente consciente – e a jornada fictícia de superação – abrandada, sensível e individualizada – que é apresentada pelo filme de Fontaine.
    Sendo assim, o trabalho analítico interessa-se aqui pela imbricação tensionada entre essas duas alternativas em termos tanto de organização textual quanto de agenciamento artístico no contexto produtivo e, além disso, em termos das inserções identitárias do escritor e da diretora/corroteirista. A opção por tal fundamentação texto-contextual tem, adicionalmente, o propósito de escapar do estabelecimento leviano de uma hierarquia de qualidade entre obra fonte e obra adaptada que, recorrentemente, como lembrou Robert Stam (2008) tende a privilegiar a primeira, quanto à qualidade e valor, ao encarar o processo de adaptação como necessariamente reducionista.
    Em se tratando de imbricação tensa, a própria decisão pela adaptação cinematográfica de um livro aproxima dois campos de produção cultural que, embora frequentemente associados, se organizam e dão espaço para seus agentes realizadores segundo regras específicas, inclusive com distintas orientações – ainda que, eventualmente, tácitas – sobre o que é conveniente contar ou mostrar. Nesse ponto, é importante ressaltar a persistência de barreiras no campo fílmico, além de resistências socioculturais mais amplas, para a exibição de masculinidades e sexualidades não normativas no audiovisual. Desse modo, a adaptação de “O Fim de Eddy” como “Marvin” (respectivos títulos nacionais do livro e filme tratados) deparou-se, de antemão, com um material nem sempre estimado pelo cinema comercial, mesmo o francês: um relato cru e sem pudor da intimidação, da violência e da homofobia, em seus modos externo e interiorizado, que vitimizam um jovem gay, acrescido ainda de uma abordagem da interseção de tudo isso com a marginalização econômica, de classe.
    Nessa proposta de inspiração bourdieusiana, pretende-se, mais especificamente, remeter a compreensão da relação entre obra original e obra adaptada às distintas trajetórias de suas instâncias autorais mais proeminentes: o escritor do livro e a diretora/corroteirista do filme. Entre Louis e Fontaine, podem ser rapidamente estabelecidas diferenças de geração, de gênero, de orientação sexual e de classe; essa simples constatação não faz, no entanto, com que informações biográficas sejam encaradas como determinantes, por si só, dos resultados textuais por ele e por ela alcançados. Elas despertam sim a atenção do analista e dão indicações de específicos gostos, inclinações e projetos criativos, que permitem – na comparação a ser empreendida – explicar alguns porquês e modos de aproximação e distanciamento entre livro e filme.

Bibliografia

    BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010, 160p.
    ERIBON, Didier. Um mundo de injúrias. In: Reflexões sobre a questão gay. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008, p. 25-170.
    HALPERIN, David; TRAUB, Valerie. Gay shame. Chicago:The University of Chicago Press, 2009, 395 p.
    HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Florianópolis: Editora UFSC, 2013, 279 p.
    LAMARQUE, Peter. How to create a fictional character. In: GAUT, B.; LIVINGSTON, P.. The creation of art: new essays in philosophical aesthetics. Cambridge: Cambridge University Press, 2003, p. 33-52
    LOUIS, Édouard (org). Pierre Bourdieu: l’insoumission en héritage. Paris: PUF, 2013, 182 p.
    LOUIS, Édouard. O fim de Eddy. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018, 173 p.
    SALAS, Charles, G. (org). The life and the work: art and biography. Los Angeles: Getty Publications, 2007, 163 p.
    STAM, Robert. A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, 511 p.