Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Leandro Rocha Saraiva (FAAP)

Minicurrículo

    Professor da FAAP, ex-professor da UFSCAR. Doutor pela ECA-USP. Roteirista (A fúria/Ruy Guerra, Nimuendajú/Tânia Anaya e Os índios descobrem o Brasil/Vincent Carelli – todos em produção). Fez pesquisa de persoangens para Peões (Coutinho). Gerente de Conteúdos Colaborativos da TV Brasil, coordenador pedagógico das oficinas DOCTV, editor de Sinopse e Retato do Brasil (cultura). Autor de Manual de roteiro – ou manuel, o primo pobre dos manuais, e de diversos artigos e capítulos de livro.

Ficha do Trabalho

Título

    Cineastas e imagens dos povos – de Cabra Marcado a Martírio

Seminário

    Cinema comparado

Resumo

    A proposta comparativa pretende analisar Martírio (Vicent Carelli, 2017) à luz de questões suscitadas por Cabra Marcado para morrer (Eduardo Coutinho, 1984). O foco principal é o cotejo entre as formas de objetivação, na forma do filme, da posição do realizador frente ao processo documentado: Cabra se faz a partir da fragmentação das trajetórias, e do isolamento profissional do realizador, enquanto Martírio tem como base o projeto coletivo, histórico-profético, dos Guarani-kaiowá.

Resumo expandido

    A proposta é analisar Martírio à luz de questões suscitadas por Cabra Marcado para morrer. Sigo a pista de Xavier, que vê na obra-prima de Coutinho um marco de encerramento do ciclo do cinema moderno brasileiro, por seu alta capacidade de balanço histórico e artístico, através da internlização formal das complexidades do reencontro com o passado, marcado pela nova posição do cineasta, já sem o “mandato” dos tempos do cinema moderno e diretamente engajado.
    Schwarz especifica os termos desta mudança, entre o projeto coletivo doCabra original, para a individualização e profissionalização mercantil do poder de filmar, documentando as reações dos entrevistados. Bernardet descreve como a montagem deste, agora, “espetáculo”, é construída por fragmentos, produzidos pela violência histórica.
    Estudos mais recentes exploram as relação entre filme e história. Gervaiseau aponta como as vidas estilhaçadas são entrelaçadas por um trabalho da memória, entre a dimensão individual e a coletiva. Silva, cotejando Coutinho e Perrault, analisa as variações da “conexão entre passado e presente e a escuta da palavra alheia”, e situa Cabra num ponto de transição da obra do autor. Lins destaca o caráter ambíguo dos documentação de pessoas postas em cena, compondo seus personagens, base para o cinema posterior do autor. Mesquita, compara Cabra e Peões, identificando diferentes formas de inscrição da história nas obras, entre a contra-história, de resgate ,em Cabra, e a definitiva atomização da vida, em Peões.
    Martírio se faz também a partir de uma filmagem retomada, provocando uma busca por antigos parceiros, e suas situações atuais. Tem a presença do realizador, em tela e na voz over, como personagem desta história. Sua montagem que relaciona fragmentos de passado, inseridos num processo histórico amplo, expondo o presente em sua abertura e tensão, com a continuidade da luta pela terra.
    O fio narrativo de Martírio segue sendo os encontros , ainda que o painel do presente se expanda para bem além das pessoas filmadas por Vincent anteriormente, que o uso de imagens de arquivo, atuais, e também as incursões ao passado, sejam muito mais extensas, ligando século XIX ao presente do Congresso Nacional.
    Como em Cabra, o do encontro mediado pelo olhar público da câmera tem caráter “produtivo”, smas são diferentes tanto o tipo de relação com realizador-interlocutor, como o discurso performado, sempre de testemunho e de afirmação do sentido do movimento coletivo dos guarani-kaiowá. Há um caráter já coletivo, anterior às filmagens, construído pelo tempo de luta e pelo sentido do “martírio”.
    As imagens do passado são retomadas, com destaque para a repetição da lendária Aty Guaçu. Mas, aqui, no lugar de disparadores para uma elaboração intersubjetiva da memória, como fios soltos de uma coletividade rompida, a montagem dos fragmentos da vida indígena sufocada pelo agronegócio, se dá por um aprendizado progressivo do próprio filme, de entendimento do sentido profundo da resposta histórica dos Guarani-Kaiowá, a partir de sua visão profética. Vincent, como Coutinho, faz uma orquestração de vozes históricas, mas a sua internalização da história na forma fílmica é de outra ordem.
    Enquanto Coutinho põe em cena a distância social do cineasta, Vincent documenta sua adesão à visão histórica e profética dos índios. Alcança uma documentação do processo histórico da modernização capitalista brasileira, a partir da experiência de um grupo que inverte o sentido de seu martírio, transformando sua posição de vítima em confronto e revelação da violência que pretendia apagar sua presença. Cabras que marcam uma promessa de vida, a partir da sombra da morte.

Bibliografia

    BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. SP. Cia. das Letras, 2003.

    CAIXETA, Ruben. Martírio. In: Cat. fórumdoc.bh 20 anos. BH: Filmes de Quinta, 2016.

    FELIPE, Marcos. Escrituras fílmicas problematizadoras do mundo histórico: a “questão indígena” no Brasil. Rev. Famecos, Porto Alegre, v. 25, n. 2, 2018.

    GERVAISEAU, Henri. “Entrelaçamentos: Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho”. In: História e Cinema.. SP, Alameda, 2011.

    GUIMARÃES, Victor. “Que fazer?”. Revista Cinética. http://revistacinetica.com.br/nova/que-fazer/

    OHATA, Milton (org). Eduardo Coutinho. SP, Cosac Naify, 2013.

    MESQUITA, Claudia.  Entre agora e outrora: a escrita da história no cinema de Eduardo Coutinho. Galáxia [online]. 2016, n.31

    SARAIVA, Leandro. MENEZES, Fábio. Vincent Carelli e o cinema pela continuidade do mundo. São Paulo, Ecofalante, 2017.

    SCHWARZ, Roberto. O fio da meada. In: Que horas são? SP. Cia das Letras, 1987.

    XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. SP Terra e Paz,