Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Luiz Fernando Coutinho de Oliveira (UFSCar)

Minicurrículo

    Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som (PPGIS) na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob orientação da Profa. Dra. Suzana Reck Miranda. Bolsista FAPESP.

Ficha do Trabalho

Título

    Os silêncios em Ossos (1997)

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Resumo

    A comunicação analisa os silêncios que são construídos no interior do filme Ossos (1997), de Pedro Costa. Os personagens demasiado fracos ou doentes pouco falam, e quando o fazem, principalmente por sussurros, mal se comunicam. Além da recusa da voz, também a figuração de determinados recursos visuais, em especial o artifício do quadro dentro do quadro, e a rigidez da encenação, caracterizada pela imobilidade das figuras humanas, auxiliam na constituição desses silêncios.

Resumo expandido

    Após realizar Casa de Lava (1994), filmado no arquipélago de Cabo Verde, Pedro Costa retorna a Lisboa trazendo consigo lembranças enviadas pelos familiares cabo-verdianos aos parentes e amigos migrantes que habitavam a região metropolitana de Lisboa. É neste contexto que o cineasta tem seu primeiro contato com o bairro das Fontainhas, no distrito da Amadora, um bairro de origem espontânea, construído por imigrantes vindos de ex-colônias portuguesas na África e por pobres oriundos do norte de Portugal. Deste encontro entre o cineasta e o bairro nasce Ossos (1997), o terceiro longa-metragem de Costa.

    Ossos é o filme que precede a mudança de método inaugurada por No Quarto da Vanda (2000), em que a câmera Arriflex 35 mm é substituída por uma Panasonic DVX100 e a equipe de filmagem passa a ser restringida apenas ao cineasta e ao captador de som direto. Conservando ainda uma estrutura mais abertamente ficcional, a narrativa de Ossos é centrada na trajetória de alguns personagens do bairro, entre os quais se sobressaem um jovem pai tentando sobreviver junto ao seu bebê e uma mãe com tendências autodestrutivas. Também a irmã da mãe, interpretada por Vanda Duarte – que seria a protagonista do filme seguinte –, adquire papel importante.

    Sendo um filme que procura transmitir determinada “experiência” das Fontainhas, retratando a arquitetura labiríntica, as texturas das paredes, a exiguidade das casas, os momentos de convívio, entre outros, Ossos encontra nos artifícios do som uma forma expressiva de caracterização do bairro. Vozes, ruídos e músicas mesclam-se na banda sonora e habitam predominantemente o fora de campo, traduzindo de maneira sensível o universo sonoro que circunda as personagens. Entre os filmes do cineasta, no entanto, Ossos é aquele em que se verifica de forma mais marcante certa recusa pela voz. Os personagens demasiado fracos ou doentes não só falam pouco como também, quando o fazem (principalmente por sussurros), mal se comunicam. Esta renúncia é perceptível, por exemplo, na sequência em que uma música diegética da banda punk Wire impede que o espectador ouça aquilo que as personagens dizem em cena.

    O presente trabalho propõe, neste sentido, investigar de que modo esses silêncios são constituídos ao longo da narrativa de Ossos. Das estratégias discursivas adotadas pelo cineasta para a produção de sensações de silêncio, destacam-se não apenas a recusa pela voz – os “silêncios de diálogo” conceituados por Paul Théberge (2008, p. 59), que por si só se manifestam de formas diversas –, mas também a imobilidade das personagens e o recurso do quadro dentro do quadro – que isola ainda mais essas personagens e as petrifica como se pertencessem a uma pintura. Ainda que fascinante, o bairro é também um espaço de doença e morte, cujo silêncio parece ser uma consequência inelutável: ao plano final do filme, em que a jovem mãe fecha uma porta sobre a câmera, é possível lembrar-se de Wittgenstein (2017, p. 261): “sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”.

Bibliografia

    CHION, Michel. The voice in cinema. New York: Columbia University Press, 1999.
    COMOLLI, Jean-Louis. “Corpos e quadros, notas sobre três filmes de Pedro Costa: Ossos, No quarto da Vanda, Juventude em marcha”. In: DUARTE, D.R.; MOURÃO, P.; MAIA, C. (orgs). O Cinema de Pedro Costa. São Paulo: CCBB, 2010.
    HASUMI. Shiguéhiko. “Aventura: Um ensaio sobre Pedro Costa”. In: CABO, R. M (org.). Cem Mil Cigarros. Lisboa: Orfeu Negro, 2009.
    MARCHAIS, Dominique. “Seven Women”.In: CABO, R. M (org.). Cem Mil Cigarros. Lisboa: Orfeu Negro, 2009.
    THÉBERGE, Paul. “Almost silence – the interplay of sound and silence in contemporary cinema and television”. In: BECK, Jay; GRANADA, Tony (orgs.). Lowering the Boom: Critical Studies in Film Sound. Urbana and Chicago: University Of Illinois Press, 2008.
    WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 2017.