Ficha do Proponente
Proponente
- Guilherme Gonçalves da Luz (ufrgs)
Minicurrículo
- Graduado em Cinema e Animação pela Universidade Federal de Pelotas, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorando pelo mesmo programa, com a tese em andamento chamada ‘’As imagens em transe do cinema brasileiro’’.
Ficha do Trabalho
Título
- O transe em Glauber Rocha: a pura experiência dos materiais
Seminário
- Teoria dos Cineastas
Resumo
- Neste trabalho, investigamos a noção de transe em Glauber Rocha, buscando indícios de uma teoria da percepção. Para tanto, analisamos o vínculo entre o transe e a constituição de imagens que se exprimem por meio de elementos mínimos da matéria fílmica. Seguindo Gilles Deleuze, para quem a percepção no cinema atua como uma forma de zeroidade, supomos que o transe seja capaz de produzir, a partir da deformação dos hábitos, imagens que instauram a percepção de um mundo em processo.
Resumo expandido
- Em Idade da Terra (1980), de Glauber Rocha, há um plano-sequência em que o personagem Cristo Guerrilheiro corre em direção a água como num impulso de libertação de suas amarras civilizatórias. A câmera se fecha em um circuito que tem como propósito uma espécie de limpeza da percepção, uma forma perceptiva que tem como função o alcance de uma experiência pura. A imagem, ao longo do plano-sequência, nunca é completamente estabelecida em seus contornos acabados, é sempre uma entre-imagem que se produz enquanto se desfaz. É possível vermos uma superexposição que produz uma saturação na luminosidade do plano, desfigurando suas formas materiais, produzindo uma imagem que pulsa, alterna seu ritmo, balança como quem sente ofegante uma respiração, e encerra seu ciclo em um retorno ao qualitativo, um quadro branco. Neste trabalho, temos como proposição a identificação de um tipo de imagem cinematográfica que se erige de uma decomposição, uma redução da imagem a elementos mínimos que atuam como forças produtivas de uma experiência pura, uma imagem que, ao nascer precária, existe em uma dimensão assignificante. Este trabalho é parte de uma tese que investiga em Glauber Rocha a possibilidade de uma teoria da percepção desenvolvida sem a formalização habitual das teorias, podendo ser encontrada em dispersão ao longo de seus filmes, textos e entrevistas. O recorte aqui estabelecido nos possibilita enxergar de que modo alguns elementos fílmicos mínimos constituem parcialmente o que estamos chamando de transe, uma distorção perceptiva inventada pelo cinema brasileiro capaz de evidenciar, no movimento próprio de sua semiose, a transitoriedade dos processos tradutórios que estabilizam, mesmo que temporariamente, tanto as imagens do cinema quanto as imagens do mundo. No exemplo que abre este resumo o transe perceptivo se torna uma decomposição de forças, uma dissecação da experiência em elementos menores, como o grão de película, o feixe de luz, o blur do foco. David Lapoujade (2017) diz que há uma distinção entre o material e a matéria, pois o material é animado por forças e dinamismos que fazem dele uma realidade viva, “a madeira, a rocha, não são matérias inertes, são percorridas de dobras, de nervuras, de nós, que constituem seu movimento. O material é a matéria que se torna espírito” (LAPOUJADE, 2017, p. 54). É deste modo que a percepção pode ser tomada, neste exemplo, como um novo vetor que aponta para um modo de perceber a matéria do mundo através dos materiais já nele encarnados. A luz, o grão da película, a saturação das cores, o blur do fora de foco, são esforços que consistem em fazer com que o material exprima sua potencialidade “mesmo, e principalmente, que ele conduza para conexões inesperadas” (LAPOUJADE, 2017, p. 54). Tal como na cena escolhida, o mais simples movimento da mão que segura uma câmera em alta abertura de exposição foto-sensível gera, através da imprevisibilidade do aparelho, uma infinidade de modificações nos componentes da imagem gerada. Jean-Marie Schaeffer (1996), ao falar sobre as possibilidades da imagem precária, aborda justamente a questão da imprevisibilidade, chamada por ele de acaso. Para o autor, a precariedade da imagem ‘‘está também ligada à contingência, ao caráter arriscado da gênese da imagem’’ (SCHAFFER, 1996, p. 143). Este caráter arriscado é o que também promove a experimentação, pois insere ao ato fílmico o imponderável, lançando ao acaso a constituição de um signo que advém da combinação contingencial de um sistema de forças não sígnicas, como os movimentos do corpo do cinegrafista, os micro-processamentos da máquina, os fluxos e variações de intensidade da luminosidade, a refração dos feixes de luz na água e no ar, o material translúcido da roupa do Guerrilheiro, entre uma grande quantidade de variáveis que tornam a imagem um acontecimento e produzem um transe perceptivo.
Bibliografia
- DELEUZE, G. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Graal, 2009.
_____. Cinema I – a imagem-movimento. lisboa; assirio e alvin, 2009.
_____. Cinema II – a imagem-tempo. lisboa; assirio e alvin, 2006.
Lapoujade, David. Deleuze: os movimentos aberrantes. São Paulo: n-1, 2015
_____. Willian James, a construção da experiência. são paulo: n-1, 2017
_____. As existências minimas. São Paulo: n-1, 2017
SCHAEFFER, Jean-Marie. Imagens Precárias: Sobre o dispositivo fotográfico. Campinas: Papirus, 1996.
ROCHA, Glauber. O Século do Cinema: Glauber Rocha. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
______, Revolução do Cinema Novo . São Paulo: Cosac Naify, 2004.
______, Revisão Crítica do cinema brasileiro . São Paulo: Cosac Naify, 2003.
WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. Uma outra história da música. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989.
VELOSO, Caetano. Verdade Tropical . São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas Canibais . São Paulo: Cosac Naify, 2015.