Ficha do Proponente
Proponente
- Marcio Blanco (UERJ)
Minicurrículo
- Doutor em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro na linha de Tecnologias de Comunicação e Cultura. Graduação em cinema pela Universidade Federal Fluminense (2004). Foi professor substituto do Departamento de cinema e video da Uff (2015/2016). Experiência na direção, roteiro, produção audiovisual, produção cultural de eventos, formulação e execução de políticas públicas na área de audiovisual e cultura digital. Diretor do Festival Visões Periféricas.
Ficha do Trabalho
Título
- O encontro entre a Educação e o Cinema Novo na realização de O Parque.
Seminário
- Cinema e Educação
Resumo
- Esta é uma pesquisa inédita à respeito do encontro entre o Cinema Novo e alunos de uma escola estadual do RJ por ocasião da produção do curta O Parque (1963). A primeira produção de um filme por alunos de uma rede pública no país irá situar o uso do cinema na escola em um regime de visualidade que não separa a produção de conhecimento do corpo do sujeito cognoscente. O apagamento do filme da História do Cinema e da Educação será analisado a partir da noção de autoria.
Resumo expandido
- No final de 1964 o Jornal do Brasil publica uma matéria sobre a presença do Cinema Novo na Itália na V Resenha do Cinema Latino-Americano, um evento emblemático na projeção desse Movimento na Europa. É nesse evento que Glauber Rocha lança o Manifesto Estética da Fome. Entre os dezessete longas e sete curtas que compuseram a programação dedicada ao Cinema Novo está o curta-metragem O Parque, primeiro filme produzido por alunos de uma escola pública no Brasil dentro de um curso de introdução ao cinema. A produção de O Parque é um ponto de inflexão na relação entre cinema e educação no Brasil que até então se restringia à produção e difusão de filmes educativos nas escolas.
Realizado na Escola Estadual Brigadeiro Schorcht no Rio de Janeiro e conduzido pela professora de português Maria José Alvarez O Parque estabelece pela primeira vez a fronteira entre dois modos de operar a relação entre cinema e educação nas escolas: exibição e produção de filmes. A demarcação dessa fronteira tenciona dois regimes de visualidade e modos da escola mediar, por meio da imagem, a relação entre os fenômenos do mundo e o sujeito cognoscente, no caso o aluno. O emblema do primeiro regime é a câmara escura, modelo mais amplamente utilizado nos séculos XVII e XVIII para explicar a visão humana e representar sua relação com o mundo exterior. Ela define um observador isolado de um mundo previamente dado da verdade objetiva. Nesse regime a imagem é a representação fidedigna dos fenômenos do mundo e é conferido à ela um estatuto científico equivalente ao das disciplinas escolares.
O segundo regime é dotado de uma ambiguidade que passa a vigorar no século XX por meio do cinema e da televisão. Ele é o desdobramento de pesquisas científicas desenvolvidas no século XIX, que vão localizar no corpo do sujeito observador, em especial no funcionamento do olho humano, o papel constitutivo da visualidade. Esse regime ao mesmo tempo que favoreceu a difusão de discursos à direita e à esquerda do espectro político também permitiu a produção e circulação de discursos audiovisuais afastados do controle do Estado e das pressões exercidas pelo mercado cinematográfico (CRARY, 2012). É o caso da realização dos primeiros filmes do Cinema Novo e da produção de O Parque. A relação entre esses dois eventos começa ainda durante o Curso de Introdução ao Cinema, o CIC, que deu origem ao filme com a participação de professores que integravam o Cinema Novo, como Alex Viany e David Neves. Os filmes do Cinema Novo e O Parque compartilham os mesmos procedimentos de realização, como a utilização de não atores, filmagens fora de estúdio e equipamentos leves de filmagem.
Após a passagem do filme por cineclubes, televisão, escolas, mostras de cinema e de uma ampla repercussão na imprensa na década de 60 o filme caiu no esquecimento, sendo apagado da historiografia do cinema brasileiro e da educação. Sustento que o cruzamento entre dois campos de enunciado – cinema e educação – provocado pela produção do filme gera um “não lugar” no que tange à autoria, o que contribuiu para esse apagamento. O Parque é ao mesmo tempo filme e processo pedagógico o que explica que seus créditos não tragam a figura de “direção”, constando apenas a função de coordenação geral atribuída à Maria José. É preciso lembrar que a figura do diretor possuía uma grande importância para no Cinema Novo, reunindo para si os traços estilísticos e a visão de mundo contida na obra. Por outro lado, a produção do filme opera uma mediação afetiva entre os alunos realizadores e o bairro onde moram. Seu resultado guarda apenas os rastros do processo pedagógico a que deu ensejo, aquilo que uma educação centrada apenas na transmissão de conteúdos não pode capitalizar.
Bibliografia
- AGAMBEN,Giorgio. O que é um dispositivo?. In: O que é o contemporâneo. Chapecó: Editora Argos, 2009.
ALVAREZ, Maria José. Maria José Álvarez, os 16 mm da percepção: reportagem ao Jornal do Brasil. Jornal do Brasil, Revista de Domingo. Rio de Janeiro, 27 e 28 dez. 1970.
ALENCAR, Míriam. Cinema Nôvo na Itália. Jornal do Brasil, Caderno B. Rio de Janeiro, n. 0270, 15 nov. 1964.
ANDRÉA, Zenaide. Entrevista com Maria José Alvarez à Revista Querida. Revista Querida, n. 249, out. 1964.
CAVALCANTI, Iedda. Viagem em torno de “O Parque”. A Cigarra. São Paulo, n. 4, ano 51, 1965.
CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
________. Suspensões da percepção: atenção, espetáculo e cultura moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2013.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1987.
________. Que és un autor? Córdoba: Litoral, 1998.