Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Carolina Goncalves pinto (ECA – USP)

Minicurrículo

    Doutoranda e Mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com especialização prática em Audiovisual pelo Le Fresnoy – Tourcoing, França, extensão em prática do documentário na La Fémis e graduada em Cinema e Vídeo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Atua como diretora e roteirista de documentários, curtas metragens e outras audiovisuais. Foi assistente de direção em diversos longas metragens.

Ficha do Trabalho

Título

    O corpo como um lugar de memória em Teatro de Guerra, de Lola Arias

Seminário

    Corpo, gesto e atuação

Resumo

    Ao analisar o filme Teatro de Guerra (2018), Lola Arias, o relacionamos à questão formulada por Mônica Toledo da Silva: “Como lidar com a memória do outro se não for com a imaginação?” (DA SILVA, 2013) No filme, a memória é um campo em disputa, entre os que estiveram em lados opostos nas trincheiras, entre narrativas oficiais e os relatos dos sobreviventes. Dispositivos são criados para convocar estas memórias e o corpo é o vetor no qual se manifestam, através da fala, do gesto, da presença.

Resumo expandido

    Teatro de Guerra (2018) de Lola Arias trata do fato histórico da Guerra das Ilhas Malvinas, ou Ilhas Falkland, pelo viés subjetivo da memória de ex-combatentes, tanto do exército argentino como do britânico. Este filme foi feito concomitantemente à montagem teatral de peça homônima e os processos de criação de ambos aparecem entrelaçados. O filme se vale de dispositivos para evocar memórias destes seis participantes e também introduz um outro aspecto que se revela um importante vetor de canalização destes elementos: o corpo. Através da presença destes corpos, seus relatos e gestos, estas memórias são convocadas e transmitidas.
    A imagem destes corpos que estiveram nos campos de batalha, atestam o que a linguagem não é capaz de traduzir em narrações verbais. A memória se manifesta no corpo, nos lembra Mônica Toledo da Silva; “um cinema do corpo dialoga com com a paisagem do pensamento, na condição de esboço e tensão permanentes.” (DA SILVA, 2013) Reproduzir um gesto, tal qual ele foi feito, buscar recriar, com uso de maquiagem, em outros corpos a visão de ferimentos visto, a encenação teatral, são algumas das formas agenciadas por estes corpos, portadores da experiência e sua parcela de intransmissível.
    Embora se trate de um filme de memória, não estamos diante de um diálogo com imagens de arquivo ou registros dos fatos; vemos apenas os corpos destes seis homens que atuam no resgate de suas memórias. Cabe ao espectador absorver e reconstituir a experiência com a força de sua imaginação. Como pontua Mônica Toledo e Silva, “Como lidar com a memória do outro se não for com a imaginação?” (DA SILVA, 2013) E nos remete à questão colocada por Georges Didi-Huberman a respeito de imaginar o inimaginável. O filme, porém, nos mostra que não há vencedores entre os que estiveram de ambos os lados das trincheiras. A memória que submerge se faz na intersecção de todas as narrativas. Teatro de Guerra aborda o tema com o intuito edificar um trabalho de expurgo através da criação de formas poéticas que contemplam trauma, memória e linguagem. Estes testemunhos incorporam falhas, e limitações ao tentar dar conta do vivido.
    O filme não adere a uma estrutura narrativa convencional, trata-se da articulação de diferentes propostas de enunciação para compor o filme em uma estrutura fragmentada e lacunar, como a da memória. Cenas que comportam desde a leitura de um diário de um dos ex soldados, a montagem de uma cena teatral elaborada a partir de um dos relatos, assim como mesmo testes de elenco que são incorporados à elaboração do filme. Esta estrutura nos faz pensar que uma das questões referentes à memória é que ela possui diversos aspectos, porém nenhum consegue dar conta da totalidade da experiência. Aquilo que escapa como o outro lado da moeda daquilo que foi evocado, ambos com o mesmo peso na construção desta proposta.
    David Macdougall propõem o termo “signos de ausência” (MACDOUGALL, 1992) para se referir a filmes em que colocam em relação o esquecimento, a distorção voluntária, assim como o abismo que separa o acontecimento da memória, contemplando o impacto que o momento presente exerce sobre o fato rememorado. Teatro de Guerra aposta na presença destes sobrevivente como forma de traduzir este acontecimento. As esparsas situações nas quais o filme recorre a imagens históricas e de arquivo, reafirma a preeminência da narração sobre a informação. Citamos um exemplo: as imagens de um navio britânico com soldados acenando efusivamente partindo, precede um relato sobre o regresso ao lar e encontro com familiares daqueles que não haviam sobrevivido e fica evidente a distancia intransponível entre estes dois fragmentos que remetem a um mesmo evento. A memória, portanto, nesta obra, não é o passado, mas o efeito que ela produz sobre o presente. E neste corpo atuante, no agora do registro da imagem.
    Ao propor tal estrutura, o filme problematiza a distância entre experiência, memória e linguagem através do resgate destas memórias de guerra.

Bibliografia

    BIBLIOGRAFIA
    BELTING, Hans. Antropologia da Imagem, Lisboa, KKYM, 2002
    BENJAMIN, Walter. O Narrador, in Obras Escolhidas vol. 2, tradução Sérgio Paulo Rouanet, São Paulo, Brasiliense, 1996
    DA SILVA, Mônica Toledo. Memórias Possíveis: eu em algum lugar, in Performances da Memória org. DA SILVA, Mônica Toledo, Belo Horizonte, Impressões de Minas, 2013
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Des Images, Malgrès Tout, Paris, 2003, Les Édiotions de Minuit
    MACDOUGALL, David. Films de Mémoire, in Journal des Anthopologues, nº 47/48, Printemps 1992. Anthropologie Visuelle, PP. 67-86
    NORA, Pierre. Entre Memória e História in Les Lieux de Mémoire, Tradução KHOURY, Yara Aun, Paris, Gallimard, 1984

    FILMOGRAFIA
    ARIAS, Lola. Teatro de Guerra, Argentina, 2018