Ficha do Proponente
Proponente
- Carolina Goncalves pinto (ECA – USP)
Minicurrículo
- Doutoranda e Mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com especialização prática em Audiovisual pelo Le Fresnoy – Tourcoing, França, extensão em prática do documentário na La Fémis e graduada em Cinema e Vídeo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Atua como diretora e roteirista de documentários, curtas metragens e outras audiovisuais. Foi assistente de direção em diversos longas metragens.
Ficha do Trabalho
Título
- O corpo como um lugar de memória em Teatro de Guerra, de Lola Arias
Seminário
- Corpo, gesto e atuação
Resumo
- Ao analisar o filme Teatro de Guerra (2018), Lola Arias, o relacionamos à questão formulada por Mônica Toledo da Silva: “Como lidar com a memória do outro se não for com a imaginação?” (DA SILVA, 2013) No filme, a memória é um campo em disputa, entre os que estiveram em lados opostos nas trincheiras, entre narrativas oficiais e os relatos dos sobreviventes. Dispositivos são criados para convocar estas memórias e o corpo é o vetor no qual se manifestam, através da fala, do gesto, da presença.
Resumo expandido
- Teatro de Guerra (2018) de Lola Arias trata do fato histórico da Guerra das Ilhas Malvinas, ou Ilhas Falkland, pelo viés subjetivo da memória de ex-combatentes, tanto do exército argentino como do britânico. Este filme foi feito concomitantemente à montagem teatral de peça homônima e os processos de criação de ambos aparecem entrelaçados. O filme se vale de dispositivos para evocar memórias destes seis participantes e também introduz um outro aspecto que se revela um importante vetor de canalização destes elementos: o corpo. Através da presença destes corpos, seus relatos e gestos, estas memórias são convocadas e transmitidas.
A imagem destes corpos que estiveram nos campos de batalha, atestam o que a linguagem não é capaz de traduzir em narrações verbais. A memória se manifesta no corpo, nos lembra Mônica Toledo da Silva; “um cinema do corpo dialoga com com a paisagem do pensamento, na condição de esboço e tensão permanentes.” (DA SILVA, 2013) Reproduzir um gesto, tal qual ele foi feito, buscar recriar, com uso de maquiagem, em outros corpos a visão de ferimentos visto, a encenação teatral, são algumas das formas agenciadas por estes corpos, portadores da experiência e sua parcela de intransmissível.
Embora se trate de um filme de memória, não estamos diante de um diálogo com imagens de arquivo ou registros dos fatos; vemos apenas os corpos destes seis homens que atuam no resgate de suas memórias. Cabe ao espectador absorver e reconstituir a experiência com a força de sua imaginação. Como pontua Mônica Toledo e Silva, “Como lidar com a memória do outro se não for com a imaginação?” (DA SILVA, 2013) E nos remete à questão colocada por Georges Didi-Huberman a respeito de imaginar o inimaginável. O filme, porém, nos mostra que não há vencedores entre os que estiveram de ambos os lados das trincheiras. A memória que submerge se faz na intersecção de todas as narrativas. Teatro de Guerra aborda o tema com o intuito edificar um trabalho de expurgo através da criação de formas poéticas que contemplam trauma, memória e linguagem. Estes testemunhos incorporam falhas, e limitações ao tentar dar conta do vivido.
O filme não adere a uma estrutura narrativa convencional, trata-se da articulação de diferentes propostas de enunciação para compor o filme em uma estrutura fragmentada e lacunar, como a da memória. Cenas que comportam desde a leitura de um diário de um dos ex soldados, a montagem de uma cena teatral elaborada a partir de um dos relatos, assim como mesmo testes de elenco que são incorporados à elaboração do filme. Esta estrutura nos faz pensar que uma das questões referentes à memória é que ela possui diversos aspectos, porém nenhum consegue dar conta da totalidade da experiência. Aquilo que escapa como o outro lado da moeda daquilo que foi evocado, ambos com o mesmo peso na construção desta proposta.
David Macdougall propõem o termo “signos de ausência” (MACDOUGALL, 1992) para se referir a filmes em que colocam em relação o esquecimento, a distorção voluntária, assim como o abismo que separa o acontecimento da memória, contemplando o impacto que o momento presente exerce sobre o fato rememorado. Teatro de Guerra aposta na presença destes sobrevivente como forma de traduzir este acontecimento. As esparsas situações nas quais o filme recorre a imagens históricas e de arquivo, reafirma a preeminência da narração sobre a informação. Citamos um exemplo: as imagens de um navio britânico com soldados acenando efusivamente partindo, precede um relato sobre o regresso ao lar e encontro com familiares daqueles que não haviam sobrevivido e fica evidente a distancia intransponível entre estes dois fragmentos que remetem a um mesmo evento. A memória, portanto, nesta obra, não é o passado, mas o efeito que ela produz sobre o presente. E neste corpo atuante, no agora do registro da imagem.
Ao propor tal estrutura, o filme problematiza a distância entre experiência, memória e linguagem através do resgate destas memórias de guerra.
Bibliografia
- BIBLIOGRAFIA
BELTING, Hans. Antropologia da Imagem, Lisboa, KKYM, 2002
BENJAMIN, Walter. O Narrador, in Obras Escolhidas vol. 2, tradução Sérgio Paulo Rouanet, São Paulo, Brasiliense, 1996
DA SILVA, Mônica Toledo. Memórias Possíveis: eu em algum lugar, in Performances da Memória org. DA SILVA, Mônica Toledo, Belo Horizonte, Impressões de Minas, 2013
DIDI-HUBERMAN, Georges. Des Images, Malgrès Tout, Paris, 2003, Les Édiotions de Minuit
MACDOUGALL, David. Films de Mémoire, in Journal des Anthopologues, nº 47/48, Printemps 1992. Anthropologie Visuelle, PP. 67-86
NORA, Pierre. Entre Memória e História in Les Lieux de Mémoire, Tradução KHOURY, Yara Aun, Paris, Gallimard, 1984
FILMOGRAFIA
ARIAS, Lola. Teatro de Guerra, Argentina, 2018