Ficha do Proponente
Proponente
- Juliana Garzillo Cavalcanti (USP)
Minicurrículo
- Doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP, na área de Poéticas e Técnicas, sob orientação da Prof. Dra. Patricia Moran. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com bolsa Cnpq. Pesquisa vídeo de artistas e sua relação com a internet. Possui um capítulo em livro lançado em 2017 em Extremidades: Experimentos críticos, pela editora Estação das Letras e Cores, organização de Christine Mello. Participa dos coletivos Quarta Pessoa do Singular, Caravana da Coragem e do Lab 63.
Ficha do Trabalho
Título
- Ao vivo como dispositivo em “Aos Vivos” (2018) de Nuno Ramos
Resumo
- O presente texto tem como objeto de análise um vídeo da série “Aos Vivos” (2018), de Nuno Ramos. Apesar de composta por treze vídeos, “Aos Vivos” será discutida com foco na transmissão ao vivo na internet no dia 28 de outubro de 2018, a saber: “Aos Vivos – Debate nº 3 (Terra em Transe)”. Considerando as múltiplas referências contidas na peça analisada, foca-se no procedimento ao vivo como dispositivo artístico que abre caminho para outros dispositivos performáticos na construção poética da obra.
Resumo expandido
- Sob autoria do artista multidisciplinar Nuno Ramos (São Paulo, 1960) e composta por treze vídeos, a série “Aos Vivos” está disponível em canal do Youtube de mesmo nome. O conjunto de trabalhos audiovisuais aborda de maneira crítica a construção de discursos da mídia, dos eleitores e dos candidatos à presidência durante a campanha para as eleições no Brasil no segundo semestre de 2018. A escolha criativa de Nuno Ramos foi a de criar dispositivos artísticos e performáticos a fim de gerar múltiplos resultados em termos poéticos e discursivos. Com a participação de atores do teatro e em diálogo com obras de diferentes espaços, tempos e autores, a dinâmica de “Aos Vivos” abarca também o conteúdo ao vivo transmitido nos canais de televisão aberta como a Rede Globo e a Rede Record. O presente texto analisa “Aos Vivos – Debate nº 3 (Terra em Transe)”, um dos três vídeos da série de transmissões ao vivo e na íntegra realizadas no Youtube por Nuno Ramos. Junto com “Aos Vivos (Dervixe) – Debate nº 1” e “Aos Vivos (Antígona) – Debate nº 2”, os três vídeos fazem referência aos principais debates de presidenciáveis no primeiro e segundo turno das eleições de 2018, a saber: o do dia 4 de outubro, organizado e transmitido pela Rede Globo; o do dia 7 de outubro , pela Rede Record; e o do dia 28 de outubro, pela Rede Globo.
Realizado no horário em que aconteceria o debate entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, candidatos concorrentes no segundo turno das eleições, “Aos Vivos – Debate nº 3 (Terra em Transe)” teve duração de duas horas. No auditório do Instituto Moreira Salles, na Avenida Paulista, Nuno Ramos organizou uma performance que contou com atores reproduzindo em tempo real a programação da Rede Globo, junto com intervenções fazendo referência ao longa “Terra em Transe” (1967), de Glauber Rocha. A encenação sofreu ainda interferência de tópicos em alta na internet, com atores lendo em voz alta as hashtags mais utilizadas no momento na rede. Originalmente, a programação da Rede Globo envolveria o debate dos candidatos à presidência, mas que foi cancelado por conta da ausência de Jair Bolsonaro. No lugar disso, a emissora transmitiu normalmente a novela “Segundo Sol” (2018), resultando na reprodução ao vivo das falas dos personagens da novela pelos atores no teatro do IMS. O desenvolvimento da performance contou então com três linhas narrativas mescladas, que se deram concomitantemente em movimento caótico. Os atores no palco, com fones de ouvido, reproduziram os áudios do episódio da novela. Além desse conteúdo proveniente do fone em uma de suas orelhas, sofriam interferência de outros atores que falavam em suas outras orelhas tópicos em alta na internet em tempo real, fazendo com que tivessem que escolher entre reproduzir as falas da novela ou dos tópicos da internet. Outros atores e músicos com instrumentos, também com fones de ouvido, reproduziram áudios do longa “Terra em Transe”. Os dispositivos performáticos mantiveram a dinâmica da performance fluida. A obra foi transmitida ao vivo pelo Youtube, com diversos enquadramentos de câmera e em alta definição.
O procedimento ao vivo possibilitou que a dinâmica da performance acontecesse com interações entre as narrativas, reunindo no mesmo espaço e tempo signos pertencentes a diferentes universos. Propõem-se então a análise de “Aos Vivos – Debate nº 3 (Terra em Transe)” no sentido de refletir a respeito da relação posta entre os meios e seus papéis no desenrolar da obra. Nuno Ramos relacionou a novela com o debate, a ficção com a política, o passado com o presente. Televisão, cinema, teatro e internet foram colocados lado a lado, escancarando suas potencialidades expressivas. O artista fez com que os signos de cada timeline (Rede Globo, “Terra em Transe” e internet) se associassem em tempo real e ao vivo, num dispositivo que criou trocas entre as mídias de forma a evidenciar a urgência contemporânea da fala sobre a escuta.
Bibliografia
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