Ficha do Proponente
Proponente
- Sylvia Beatriz Bezerra Furtado (UFC)
Minicurrículo
- Beatriz Furtado é professora da graduação em Cinema e da Pós-Graduação em Comunicação, do Instituto de Cultura e Arte, da Universidade Federal do Ceará. Publicou os livros “Imagens que Resistem”; “Imagens Eletrônicas e Paisagens urbanas” e “Cidade Anônima”. Organizou os dois volumes de “Imagem Contemporânea” e “Fazendo Rizoma”, com Daniel Lins. Seu atual projeto de pesquisa trata sobre a Cena no cinema contemporâneo.
Ficha do Trabalho
Título
- Cena, corpo e gestos em “Trabalho N.1”
Resumo
- O texto proposto trata sobre a realização de uma video-instalação, que tem por título “Trabalho N.1”, na qual construo uma partitura de gestos para colocar em cena o trabalho de lavar do mar. A obra se faz como um método de pesquisa sobre o corpo e as gestualidades do trabalho em que busco esvaziar nos corpos os sentidos de um trabalho sem êxito. Esse texto se faz com os estudos sobre a Cena, em Beckett e Artaud; com Deleuze e o cinema-corpo, e os gestos nos corpos em Didi-Huberman.
Resumo expandido
- O texto proposto trata sobre a realização de uma video-instalação, que tem por título “Trabalho N.1”, na qual construo uma partitura de gestos para colocar em cena o trabalho de lavar do mar. A obra se faz como um método de pesquisa sobre o corpo e as gestualidades do trabalho em que busco esvaziar os corpos os sentidos de um trabalho sem êxito.
Em “Trabalho N.1.”, tento criar uma espécie de dramaturgia de movimentos corporais ligados aos afazeres diários, contínuos, repetitivos, buscando, através dessas gestualidades submetidas ao controle, às normas e aos poderes inscritos nesses fazeres, criar esvaziamentos. Deslocar o lugar do trabalho – sobretudo um tipo de trabalho desconsiderado, invisibilizado – o constituindo como um ato sem finalidade, pondo em causa o sentido último do mundo do trabalho e da produção. Não interessava ao filme representar os gestos implicados no trabalho, mas construir com esses gestos, e na sua repetição, o seu esvaziamento, para criar despropósito e irrazoabilidade.
“Trabalho N.1.” é um filme realizado em um único plano-sequência, em um plano geral, frontal e fixo, durante 15 minutos de um entardecer, a beira do mar, onde um grupo de homens e mulheres, atores e performers, alguns isolados e outros por grupos, entram em tempos distintos, ocupam o quadro e executam a tarefa de lavar o mar. Foram criados procedimentos em relação a cena ser construída, um tempo de permanência de cada ator na cena, um desenho do espaço a ser ocupado e uma partitura de ações: Lavar o mar, enxuga-lo, esfregar suas águas, lança-las de volta. Tratava-se de um esforço sem resultados, pela negação de uma razão que subordina os corpos às operações do poder, isso que Foucault chamou de disciplina, que são os poderes inscritos em corpos e subjetividades.
A cena filmada faz uma oposição ao corpo do trabalho como adequação e sofrimento. É uma tentativa de redesenho dessa geografia perversa na qual estamos confinados, numa espécie de delírio coletivo, através dessa comunidade de homens e mulheres quaisquer, sem finalidades. Uma dramaturgia que se quer próxima do plano elaborado por Artaud, de purificação, para gerar um novo corpo que não é nem humano nem metafísico e que busca uma forma de afirmar o mundo como lugar da existência e da vida. É uma cena constituída por seres insignificantes, sem glória, e, por isso mesmo, surgem como existências fulgurantes, embora inessenciais. O que mobilizou esse trabalho foi a produção esvaziamento dos gestos – por isso a proposição de projeta-lo em loop, que é um tipo de temporalidade que se inscreve na imagem, e faz ver as profundas transformações que ocorrem como o Mesmo.
Não há nessa gestualidade qualquer sentido fabril, embora exista um primeiro impulso em direção ao trabalho repetitivo e alienado do modo de produção industrial. A cena se faz por corpos em estado de esforço mas há algo de descompromisso, um certo estado de devaneio, de desvario dos corpos. Os atores entram em cena em momentos distintos, às vezes agrupados, outras de forma isolada, ocupam o espaço por aproximações e distanciamentos em relação aos demais e também em relação aos fluxos das águas do mar.
Os atores tiveram uma orientação sobre a ocupação do espaço, o tempo de permanência em cena e os objetos com os quais iriam produzir o trabalho, além de uma partitura de movimentos com a qual abriram-se a outros estados possíveis do corpo. Não há mimetismos. A partitura de movimentos se prestou como mobilizadora de um movimento em si. Ou seja, daquilo que os movimentos produziam no corpo. Entraram em jogo outras coordenadas físicas: o peso dos corpos, o gestos em direção ao alto e ao baixo, a ocupação das lateralidades, a relação de horizontalidade com o mar, o trabalho do corpo com os objetos, o desequilíbrio.
Na análise da cena me faço acompanhar de Artaud, Foucault, Beckett e Didi-Huberman em seus estudos do corpo, das bestialidades, da cena e da dramaturgia.
Bibliografia
- ARTAUD, Antoni. O Teatro e seu Duplo, Martins Fontes, 1999, São Paulo.
BECKETT, Samuel. O Teatro de Samuel Beckket. Arcádia, São Paulo.
DELEUZE, Gilles. Imagem-Tempo. Brasiliense, 1990, São Paulo.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Vozes. 1987
HUBERMAN, Didi. A Invenção da Histeria. Contraponto, 2015, Rio de Janeiro.
….. Levantes. Catálogo de exposição, 2018.