Ficha do Proponente
Proponente
- Gabriel Neiva (PUC RIO)
Minicurrículo
- Gabriel Neiva é professor do departamento da Comunicação PUC RIO. Tem graduação na História da UFF. Fez mestrado em Sociologia e Antropologia no PPGSA (UFRJ). Doutorou-se em 2018 pelo Programa de Pós Graduação em Comunicação da UERJ (PPGCOM/UERJ).
Ficha do Trabalho
Título
- O filme “Domínio Público” e as heterotopias do Rio de Janeiro
Resumo
- A comunicação procura analisar o documentário “Domínio Público” (2014). Este apresenta de forma contundente, as transformações que a cidade sofreu durante o período da chamada “Era dos megaeventos”. Dessa forma, tais registros fílmicos constroem discursos que se opõem versões governamentais, iluminando aspectos antes ou “silenciados” pelas falas oficiais. Articula-se sua análise como o filme constrói uma tese, a partir das vozes ali articulada, um repertório sobre heterotopias contrahegemônicas
Resumo expandido
- O filme “Domínio Público” constrói uma narrativa fílmica que evidencia os abusos governamentais e econômico em torno do projeto dos megaeventos. A película se posiciona em consonância com trabalhos de estudiosos do Rio de Janeiro contemporâneo como Carlos Vainer (2009), Fernanda Sanchez (2010) e Lucas Faulhaber (2015) e com o dossiê de denúncia de abusos de direitos humanos finalizado pela Comissão Popular da Copa e das Olímpiadas, sinalizando a conexão entre a criação da imagem de uma cidade “mercadoria” e neoliberal em escala global e o aprofundamento da exclusão econômica e social.
Em tempos de preparação de megaeventos, parecia existir, pelo menos nos ambientes audiovisuais ali mobilizados, um sentimento de entusiasmo sobre as mudanças que o Rio de Janeiro estava passando. Recuperava-se, assim, sua vocação de “cartão-postal” e “cidade apaixonante”, turbinada pelos possíveis impactos positivos da Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. Porém, de forma concomitante, o filme Domínio Público sintetizava discursos sobre a cidade passaram a ser registrados: a exclusão social, a militarização da vida através das UPP´s (Unidades de Polícia Pacificadora), as remoções habitacionais e, consequentemente, as resistências e manifestações contrárias a tais processos aconteciam a plenos vapores naquele mesmo solo urbano.
O filme “Domínio Público” foi dirigido por Fausto Mota, Raul Vidal e Henrique Ligeiro. A partir de uma campanha realizada pelo site de crowdfunding Catarse.me, conseguiu-se captar o orçamento necessário para finalizar o documentário. De acordo com a descrição dessa mesma página, a realização nasce com a intenção de investigar as repercussões dos megaeventos sobre o país e, mais especificamente, o Rio de Janeiro. Observa-se, então, a partir do minucioso trabalho de pesquisa fílmica e do discurso concatenado no release do Catarse.me, um projeto que pretende intervir, assim como no Dossiê do Comitê Popular, nas dinâmicas do meio urbano.
Outro aspecto central desses discursos é o caráter de colaboração coletiva atrelado a estes. Dentre os participantes das empreitadas, apresentam-se cineastas, urbanistas, sociólogos, jornalistas, antropólogos e ativistas de diversas filiações. Nessa última categoria estão arrolados movimentos ligados à causa indígena, às comunidades e favelas, núcleos sociais da defensoria pública e partidos políticos, os chamados “midiativistas” e institutos e organizações não governamentais cuja atuação se baseia na denúncia das violações dos direitos humanos. Trata-se de um mosaico de vozes, advindas de experiências diversas, que acabam por arquitetar um distinto repertório do imaginário carioca.
Utiliza-se, aqui, então, o conceito de heterotopia articulada tanto por Michel Foucault (2013) e Henri Lefebvre (1991). Enquanto o primeiro heterotopia para compreender alguns lugares que fogem do “senso comum”, lócus que são a “contestação de todos os outros espaços” (FOUCAULT 2013: 28), comprovam a centralidade do espaço na sua experiência cotidiana e, principalmente, no meio urbano. A cidade se configura como um território privilegiado desses outros espaços, no qual um mesmo pedaço de rua pode ser ocupado em suas múltiplas possibilidades de compartilhar ou disputar a experiência do comum. Já Lefebvre diferente abordagem conceitual: os espaços heterotópicos são principalmente arenas de disputas sobre o “direito à cidade”, em que a participação pública acaba por contradizer os interesses de reprodução do grande capital. Assim, a cidade cria seus espaços de resistência, mobilizando-se contra a mercantilização da vida. Propõe-se, aqui, então, as junções e a problematização dessas duas conceituações distintas de heterotopia. levando em consideração que ambas a possibilidade da constituição de discursos e práticas socioespaciais que vão além das forças econômicas e politicamente hegemônicas. Por sua vez, “Domínio Público” articula um corpus de vozes e discursos usualmente “esquecidas” e “apagadas”.
Bibliografia
- FAULHABER, Lucas. SHM: Remoções no Rio de Janeiro olímpico. Rio de Janeiro: Editora Mórula, 2015.
FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. São Paulo, N-1 Edições, 2013.
HARVEY, David. “Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração no capitalismo tardio”, in: Espaço & Debates: Revista de Estudos Regionais e Urbanos, n. 39. São Paulo: 1996.
HEFFNER, Hernani. “A paisagem carioca no cinema brasileiro”, in: MARTINS, Carlos (org). A paisagem carioca. Rio de Janeiro: MAM/Prefeitura do Rio, 2000
LEFEBVRE, Henri. The production of space. Oxford: Blackwell Publishing, 1991.
POLLAK. Michael “Memória, Esquecimento e Silêncio”. In Estudos Históricos, volume 3, Rio de Janeiro, 1989.
SANCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Editora Argos, 2010.
VAINER, Carlos. “Pátria, empresa e mercadoria: a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano”, in: A cidade do pensamento único. Petropólis: Vozes, 2000.