Ficha do Proponente
Proponente
- Luana Mendonça Cabral (UFF)
Minicurrículo
- Pesquisadora e realizadora. Interessada nas relações entre feminismos, estética e política no campo do cinema. Mestranda no Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (UFF), com dissertação sobre a auto-inscrição no trabalho de Chantal Akerman, e bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Integrante da equipe de curadoria do Festival de Cinema de Vitória entre 2016 e 2018.
Ficha do Trabalho
Título
- O corpo da cineasta: auto-inscrição no cinema feminista de vanguarda
Resumo
- Mapearemos, neste trabalho, as relações entre a teoria feminista dos anos 1960-1970 e o cinema de vanguarda realizado por mulheres durante esse período, identificando, a partir do conceito de “autoria performática”, a auto-inscrição da realizadora no filme como um denominador comum a algumas dessas obras. Faremos, por fim, um breve estudo comparado entre as políticas de auto-inscrição do corpo e da sexualidade observadas nos filmes “Fuses” (Schneemann, 1965) e “Eu, tu, ele, ela” (Akerman,1974).
Resumo expandido
- A noção de autoria no cinema apresenta-se como um conceito complexo, por vezes contraditório e polêmico. Como coloca Jean Claude Bernadet, embora a “Política dos Autores” proposta pelos críticos da revista francesa Cahiers du Cinema entre 1950 e 1960 tenha apresentado um novo paradigma para os estudos autorais, referências à figura do autor no cinema se faziam presentes já no vocabulário de intelectuais como o cineasta Jean Epstein e o romancista Alexandre Arnoux. De lá pra cá, diversas proposições acerca do tema foram feitas, a partir de diferentes matrizes teóricas. Não raro, tais proposições derivam de estudos de autoria vindos de outros campos das artes, principalmente da literatura, e também dos trabalhos de autores das ciências humanas dedicados a essa temática, como Barthes, Foucault e Agamben.
Em seu livro “Performative Authorship: self-inscription and corporeality in the cinema” (2013) Cecilia Sayad deriva do pensamento de de auto-construção da autoria presente no trabalho de Foucault para propôr o conceito de autoria performática, compreendendo o gesto de inscrever-se na mise-en-scène a partir das ideias de corporalidade e presença por ele invocadas. Sayad analisa filmes de cineastas como Eduardo Coutinho, Woody Allen, Jean Rouch, Orson Welles, Agnès Varda e Sarah Turner. Nosso esforço aqui passa, portanto, por expandir as referências de filmes realizados (ou co-realizados) por autoras mulheres nos quais a auto-inscrição performática da realizadora se torna um recurso estético, sobretudo nos domínios do cinema experimental e de vanguarda.
Durante as décadas de 1960 e 1970, momento em que o feminismo europeu experimentava o auge de sua efervescência, o campo do cinema foi diretamente afetado pelo pensamento político-teórico da Segunda Onda Feminista. A década de 1970 marca o nascimento da Teoria Feminista do Cinema a partir da publicação de seus textos inaugurais, da atividade de revistas como Screen e Camera Obscura, e da realização de festivais como o New York Internacional Festival of Women’s Films (1972). Para além de Agnès Varda, que já utilizava a auto-inscrição em seu cinema, principalmente documental, desde meados da década de 1960, cineastas como Carolee Scheeneman (Fuses, 1965), Chantal Akerman (Eu, tu, ele, ela, 1974) e Barbara Hammer (Dyketactics, 1974) buscavam na linguagem e através do próprio corpo formas de evidenciar sensibilidades e subjetividades. Numa outra chave, Delphine Seyrig e Carole Roussopoulos (S.C.U.M Manifesto 1967, 1976), assim como Laura Mulvey e Peter Wollen (Riddles of the Sphinx, 1977), apostavam na inscrição da própria voz e do gesto enunciativo como recurso estético. Ainda, o exemplo de Helke Sander (The All-Around Reduced Personality, 1978) conjuga a corporalidade da realizadora e as potencialidades de enunciação evocadas a partir da inscrição da fotógrafa (interpretada pela própria cineasta) na narrativa.
De certo, esses filmes não inauguram muito menos encerram as possibilidades de auto-inscrição da cineasta no cinema – lembremos dos filmes da pioneira Maya Deren (Meshes of the Afternoon, 1943), bem como do trabalho de cineastas contemporâneas como Trinh t. Minh ha (Reassemblage, 1982) e Cheryl Dunye (Watermelon Woman, 1992). Todavia, cada um desses filmes se vale da autoria performática como estratégia formal e/ou narrativa, articulando-a entre o universo particular de seus interesses estéticos, afetivos e políticos. No caso de “Fuses” e “Eu, tu, ele, ela”, o corpo representado em tela, a espectatorialidade e sexualidade, todas questões caras à teoria feminista do cinema, são flexionadas também a partir de questionamentos sobre olhar, identidade e subjetividade. Temos que os tipos de corpos e sexualidades colocados, assim como as questões estéticas e políticas por eles levantadas, refletem a influência do pensamento da Segunda Onda dentro das discussões sobre cinema e feminismo que permeavam aquele contexto, na teoria e na prática.
Bibliografia
- BERNADET, Jean-Claude. O Autor no Cinema. A política dos autores: França – Brasil – anos 1950 e 1960. 2 ed. atualizada. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018. e-PUB.
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017
HOOKS, Bell. Black Looks: race and representation. Boston: South End Press, 1992.
MCCABE, Janet. Feminist Film Studies: Writing the woman into cinema. Wallflower; Columbia University Press: Nova York, 2004. Ebook. E-ISBN 978-0-231-50300-6.
MULVEY, Laura; ROGERS, Anna Backman (orgs). Feminisms: Diversity, Difference, and Multiplicity in Contemporary Film Cultures. Amsterdam University Press: Amsterdã, 2015.
SAYAD, Cecilia. Performative Authorship: self-inscription and corporeality in the cinema. London: I.B.Tauris & Co., 2013.
SOBCHACK, Vivian. The Adress of the Eye: A phenomenology of film experience. Princeton University Press: Princeton, 1992.