Ficha do Proponente
Proponente
- Isabella Chianca Bessa Ribeiro do Valle (UFPB)
Minicurrículo
- Isabella Valle é fotógrafa e Professora Adjunta da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde leciona no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e no curso de Cinema e Audiovisual. Como pesquisadora é principalmente atravessada: pela temática de gênero (em suas interseccionalidades), com tese de doutorado (UFPE/2017) sobre as mulheres fotógrafas do Recife; e pelas múltiplas camadas das linguagens (com foco nas imagens), sendo também mestre em semiótica (PUC-SP/2012).
Ficha do Trabalho
Título
- La Pointe Courte: afetações foto-dramatúrgicas no filme de Agnès Varda
Seminário
- Teorias e análises da direção de fotografia
Resumo
- O objetivo é apresentar uma análise do filme La Pointe-Courte (1955), primeira obra dirigida por Agnès Varda, com ênfase nos elementos plásticos e estéticos que compõem a fotografia do longa-metragem, na compreensão da narrativa dramática proposta pela diretora para os personagens Elle e Lui. Em uma decupagem plano a plano das cenas que envolvem o casal, mergulharemos na produção de sentidos visuais que é construída ao longo da história, na relação atores-quadro, entre movimentos e diálogos.
Resumo expandido
- A ficção La Pointe-Courte (1955), de Agnès Varda, possui desdobramento dramático em duas narrativas paralelas, sediadas no vilarejo que dá nome à obra. O primeiro eixo aponta questões da rotina da vila de pescadores (em co-realização com a população local) enquanto o segundo trata de contar a tentativa de reconciliação de um casal. É no desenvolvimento da fotografia deste último viés que nos detemos aqui.
Nele, Lui e Elle, interpretados por Philippe Noiret e Silvia Monfort, é um casal em crise que tem uma longa conversa sobre o relacionamento enquanto circula pela vila. Plano a plano, a relação vai sendo posta nos atravessamentos entre os corpos, os diálogos e a câmera, em uma dramaturgia visual coreográfica, posta em cena para ser fotografada e semioticamente processada pelo espectador.
Varda começou a carreira como fotógrafa de teatro. A intimidade com as artes da cena mediada pela câmera provocou em seus filmes uma preocupação formal com o discurso visual e o ponto de vista. Formada em Belas Artes, a fotógrafa e diretora trouxe tal conhecimento estético ao cinema, em que prioriza enquadramentos plasticamente elaborados, somando a eles movimentos fluidos e precisos, que mantêm a firmeza narrativa, muitas vezes para além do realismo, mas sem pirotecnias.
Em La Pointe-Courte, Varda instruiu os atores a não expressarem os sentimentos dos personagens ao dizerem suas falas. Logo, não é na intensidade desta interpretação que a narrativa ganha força, mas na ausência dela aliada à construção meticulosa do espaço da imagem junto ao texto. Estranhamente, para falar de amor, as emoções não chegam através da empatia pelos personagens (sem expressões nos rostos, nem profundidade psicológica), elas se formam no espectador pelas imagens. Vilém Flusser (2008) fala que o fotógrafo publica o privado e o receptor privatiza o público. Assim, para quem vê o filme, os quadros de Varda se abrem para outros jogos: outros personagens, desejos e afetos, atravessados por suas próprias experiências, sugerindo, invocando e preenchendo a narrativa de sentidos (MERLEAU-PONTY, 1989).
A câmera não resolve a relação, ela cria uma atmosfera de mistério que as camadas de afetação quadro-texto-movimento provocam nos diálogos sobre intimidade, felicidade e o tempo. No movimento dos corpos e no próprio movimento da câmera, há uma concretude quase abstrata que a plasticidade traz à narrativa da crise. Se trata de um filme pictorialista.
A película tem um formato quase quadrado (1,37:1), o que favorece uma foto-dramaturgia ainda mais densa. O filme é em preto e branco, mas possui um minucioso trabalho de cor na construção dos contrastes e tons de cinza. O branco é uma cor muito presente. Para Varda (Cahiers du Cinéma, 1965), o amor se concretiza na cor branca.
Fotografia é produção de sentido. É estímulo sensível. São memórias e imaginários que se partilham ou se deixam de partilhar, que são afetadas e afetam. Esse é o jogo visual da construção da crise de Elle e Lui. “A fotografia é um conjunto de relações que leva no seu seio o rastro de uma alteridade perene” (BATCHEN, 2004, p. 179). Afeto é um sentimento que liga, que une, e afetar é uma ação que atinge, que marca. O afeto é desejante, incisivo, pungente, como a fotografia de La Pointe-Courte.
Em geometrias meticulosas, coisas e corpos dialogam através de grandes profundidades de campo, duplas perspectivas, desenhos que visualizamos serem traçados enquanto se proferem palavras. Uma artificialidade construída para questionar o pseudo-conforto do que é normalmente vivido, mas que é sempre infotografável em sua espontaneidade (SOULAGES, 2010).
Aqui, pretendemos refazer esses desenhos decupando plano a plano as cenas do casal, atentando para as articulações verbo-visuais do story board, em uma análise fílmico-semiótica das afetações foto-dramatúrgicas.
Bibliografia
- ADAMS, Ansel. A câmera. São Pauo: Senac, 2000
____________. O negativo. São Pauo: Senac, 2001
AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 2002
____________. O olho interminável – cinema e pintura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004
BARTHES, Roland. A câmera clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984
BATCHEN, Geoffrey. Arder en deseos: la concepción de la fotografia. Barcelona: Gustavo Gili, 2004
Cahiers du Cinéma. La grâce laïque. n. 165, abril de 1965, pp. 42-50
FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997
MERLEAU-PONTY, Maurice. O Olho e o Espírito. São Paulo: Nova Cultura, 1989
SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora, visual, verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo: Iluminuras e FAPESP, 2005
SOULAGES, François. Estética da fotografia: perda e permanência. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010