Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Cíntia Langie Araujo (UFPel)

Minicurrículo

    Professora do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e realizadora audiovisual desde 2006. Foi fundadora do Cine UFPel, onde hoje é curadora. Atua na pesquisa acadêmica na área de cinema, com ênfase nas questões relativas a roteiro e circulação do filme brasileiro. Jornalista, Mestre em Comunicação Social, atualmente realiza doutorado em Educação pela UFPel, onde desenvolve uma cartografia de nove salas de cinema localizadas em universidades do Brasil.

Ficha do Trabalho

Título

    Exibir cinema brasileiro na universidade: uma devolução?

Seminário

    Cinema e Educação

Resumo

    O objetivo do texto é pensar a universidade enquanto dispositivo para fazer circular – e restituir de algum modo para a comunidade – os filmes brasileiros aos quais o público normalmente não tem acesso, com aprofundamento conceitual na noção de devolução (DIDI-HUBERMAN, 2015). A trama de pensamento envolve um estudo de caso, o Cine Arte UFF, sala universitária de cinema, cuja curadoria prioriza filmes de relevância artística, resguardando espaço considerável à produção brasileira contemporânea.

Resumo expandido

    A proposta deste texto é pôr em relação o conceito de “devolução” (DIDI-HUBERMAN, 2015) com uma iniciativa de difusão do cinema brasileiro contemporâneo – a sala universitária Cine Arte UFF. Partimos de uma inquietação inicial: como fazer com que o filme brasileiro, realizado majoritariamente com dinheiro público, cumpra seu papel e seja “devolvido” à população? É a partir da noção de devolução ou restituição de Didi-Huberman que reivindicamos condições de acesso às obras realizadas no país.
    Segundo dados da Agência Nacional do Cinema – ANCINE – referentes a 2016, os filmes estrangeiros representam 91,8% dos ingressos vendidos em salas comerciais, enquanto os filmes nacionais ficam com 8,2% do público, caracterizando, ainda hoje, uma situação de condição colonial (GOMES, 2016). Se não há espaço para a produção brasileira nas janelas tradicionais, as universidades podem atuar como dispositivos propícios a tal difusão, já que contam com infraestrutura própria, público espectador e material humano. Mais que isso, ali se pode solidificar o verdadeiro circuito para o filme nacional, pois esses espaços conseguem desenvolver iniciativas com maior flexibilidade, sem visar a resultados esperados. A universidade “trata-se de um privilegiado lugar dentro de um mundo onde tudo parece submetido aos interesses do mercado” (MIGLIORIN, 2015, p. 30).
    O cinema da Universidade Federal Fluminense – criado em 1968 na cidade de Niterói – não tem fins lucrativos e funciona diariamente, com exibição de obras em lançamento, além de mostras, festivais e cineclubes. Devido à atual pesquisa de doutorado sobre salas universitárias, investiguei em 2018, durante cinco meses, o funcionamento desse projeto. O perfil curatorial da sala busca a diversidade cultural, com prioridade a filmes de relevância artística, resguardando espaço considerável à produção brasileira. São promovidas semanalmente sessões gratuitas e debates com realizadores nacionais.
    Para Didi-Huberman, restituir não é atribuir algo a alguém para que este se privilegie, mas há nesse ato de devolução algo de generosidade, pois trata-se de dar sem reter, sem interesse, sem visar ao lucro ou à recompensa. Desse modo, a curadoria do Cine Arte UFF carrega em si a potência de uma generosidade da devolução, já que busca uma ética da imagem, cujo protocolo investe em oportunizar experiências sensíveis. Trata-se de uma possível modéstia na restituição quando pensamos em cinema, visto que as imagens dos filmes brasileiros independentes tornam visíveis diversos aspectos da sociedade que normalmente não estão na mídia de massa. As imagens constituem um bem comum, “elas voltam a nós porque sempre nos concerniram, porque fazem parte do nosso patrimônio comum” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 212).
    Assim, podemos questionar: qual a vocação do cinema brasileiro contemporâneo, marcado pela vasta produção e pela diversidade? A vocação não seria, a bem dizer, recolher dos recantos desse país as histórias e paisagens, para compartilhar com o público o que nos constitui? E não seria também atuar como um sopro de arejamento de criação, em uma era marcada pela redundância no campo audiovisual, com filmes de mercado cada vez mais repetitivos e previsíveis? Se assim for – e acho que não estamos desejando muito – não seria de extrema generosidade que a universidade e seu material humano pudessem reunir esse conjunto de imagens do cinema brasileiro, dar a ele um tom de relevância, e realizar sessões periódicas ao público? Ainda mais em nosso presente histórico, em que iniciativas como o Cine Arte UFF estão sob ameaça devido aos cortes orçamentários do governo federal? Parece que não se trata somente de fazer as imagens irem além, ou chegarem a algum lugar, mas permitir que existam em liberdade, que se tornem realidade: conteúdo comum a uma dada comunidade. Trata-se de um gesto político da devolução, na defesa de uma relação cada vez mais sólida entre o cinema brasileiro e seu público.

Bibliografia

    BARBALHO, Alexandre. Política cultural e desentendimento. Fortaleza: IBDCult, 2016.

    DIDI-HUBERMAN, Georges. Devolver uma imagem. In: Pensar a imagem. Emmanuel Alloa (Org.). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.

    GOMES, Paulo Emílio Sales. Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

    MIGLIORIN, Cezar; LIMA, Érico Araujo. Estética e comunidade: ocupar o inacabado. In: O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.203-221, jan.-jun. 2017.

    ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: N-1 Edições, 2018.

    SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos. São Paulo: CosacNaify, 2016.