Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriela Kvacek Betella (UNESP)

Minicurrículo

    Bacharel em Letras (Italiano) pela USP, mestre e doutora pelo DTLLC-FFLCH-USP, com pós-doc no IEB-USP, professora assistente no DLM da FCL-UNESP-Assis, área de Língua e Literatura italiana. Sua atuação está voltada para os estudos das relações entre Literatura, História e Audiovisual, em projetos, grupos de pesquisa e no programa de pós-graduação de sua unidade, na linha de pesquisa Literatura Comparada e Estudos Culturais.

Ficha do Trabalho

Título

    O ônus da parcialidade em Santiago, Italia (Nanni Moretti, 2018)

Resumo

    O documentário utiliza um ponto de vista peculiar para o golpe de Estado no Chile: o papel exercido pela embaixada italiana aos perseguidos pelo regime. Examinamos a relativização da experiência coletiva e a promoção da dimensão individual na construção fílmica, nas atitudes políticas envolvidas, no movimento em direção ao passado dos refugiados e exilados, na palavra exclusiva dos que vivenciaram a experiência e na simplicidade e particularização de uma história italiana de acolhimento.

Resumo expandido

    A certa altura da primeira parte de Caro diario (Nanni Moretti, 1993), o protagonista afirmava, em passagem que se tornou proverbial para os espectadores mais assíduos, que “mesmo numa sociedade mais decente do que esta, eu sempre vou me incluir numa minoria de pessoas. Mas não no sentido daqueles filmes em que há um homem e uma mulher que se odeiam, se rasgam numa ilha deserta porque o diretor não acredita nas pessoas. Eu acredito nas pessoas. Porém não acredito na maioria das pessoas. Acho que vou sempre estar confortável e de acordo com uma minoria…” Moretti interpreta esse protagonista e acentua a marca autobiográfica no texto que também assina, colocando-se à margem de cineastas de gerações diferentes da sua, cujos representantes podem ser nomes como Marco Ferreri, diretor de La cagna de 1972, filme com enredo que evoca o descrito, e até mesmo Giulio Base, que participa da cena em que é proferida a battuta ou pensamento espirituoso em questão. Moretti se posiciona em relação às experiências coletivas, praticamente concluindo que acreditar nas pessoas não é necessariamente incluir-se na maioria. Reforça, portanto, o tom documental “em primeira pessoa” que norteia o longa. Em seu mais recente filme, o realizador aparentemente se retira do posto de narrador, ao compor o documentário que capta um fragmento da história recente sob um ponto de vista peculiar, que privilegia imagens de arquivo e relatos de participantes do momento do passado em foco. Contudo, a dimensão coletiva é relativizada e questionada em diferentes aspectos no tempo. Há índices importantes de um sentido individual na visibilidade da obra: a utilização da câmera fixa, dos testemunhos individuais captados em plano americano ou primeiro plano, da voz em off do diretor que aparece a conduzir momentos significativos das entrevistas e, especialmente, a presença de Moretti em duas sequências capazes de estabelecer com firmeza o sentido individual, particularizante, assinalando a oposição a perspectivas universais e, até certo ponto, imparciais ou, se preferimos, de maiorias.
    Em Santiago, Italia o golpe de Estado no Chile é trazido para a tela por meio do papel da embaixada italiana para centenas de pessoas perseguidas pelo regime chileno. As etapas e as linhas gerais do resultado do documentário podem ser reconstituídas tanto para o exercício de análise que atesta o valor da montagem quanto para desvendar uma atitude política no ato de contar uma bela história italiana de acolhimento do estrangeiro, num momento em que boa parte da sociedade vai na direção contrária. Para a geração de Moretti, o país da América do Sul contava bastante, primeiro como governo de unidade popular com a esquerda levada ao poder pelo voto (fatores que promoviam uma identificação com o jovem Moretti), depois como democracia aniquilada pelo golpe em 1973 (motivo para atrair a atenção do vintanista pela repulsa e a resistência). O diretor retorna ao passado, aos detalhes do refúgio que resultou na saída dos exilados do Chile para a Itália, mas não recorre a historiadores ou especialistas, nem mesmo promove uma orientação política partidária (provavelmente com intenções críticas para todas as orientações do passado e do presente), oferecendo a palavra apenas às pessoas que vivenciaram aquela experiência, mantendo a simplicidade como resultado de um processo de elaboração fílmica, favorecendo a dimensão e o sentido particular do filme na sua relação com o presente.

Bibliografia

    AGAMBEN, G. O autor como gesto. In: ______. Profanações. Trad. Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 55-63.
    DE GAETANO, R. Nanni Moretti. Lo smarrimento del presente. Cosenza: Pellegrini, 2015.
    GUZMÁN, P. Filmar o que não se vê. Um modo de fazer documentários. Trad. José Feres Sabino. São Paulo: Edições Sesc, 2017.
    LA COSA. Dir. Nanni Moretti, Prod. Angelo Barbagallo e Nanni Moretti, Dir. fotografia Alessandro Pesci, 1990.
    MASCIA, G. Qualcosa di sinistra. Intervista a Nanni Moretti, Genova: Fratelli Frilli Editori, 2002.
    SANTIAGO, ITALIA. Dir. Nanni Moretti, Prod. Nanni Moretti, Jean Labadie, Gabriela Sandoval, Carlos Núñez, Dir. Fotografia Maura Morales Bergmann, 2018.
    SCHWARZ, R. Leituras em competição. In: _____. Martinha versus Lucrécia. Ensaios e entrevistas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
    TOSCANO, R. Così dall’ambasciata fuggirono i dissidenti. La Stampa, 8 set 2013. Disponível em http://www.sndmae.it/files/Stampa%2C%208.9.2013.pdf. Acesso em 17/04/2019.