Ficha do Proponente
Proponente
- Samuel Paiva (UFSCar)
Minicurrículo
- Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde atua na área de História do Audiovisual, com vínculo ao Departamento de Artes e Comunicação, realizando atividades relacionadas ao Bacharelado em Imagem e Som e ao Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som. É autor do livro ‘A Figura de Orson Welles no Cinema de Rogério Sganzerla’ (2018) e coeditor dos livros ‘Viagem ao cinema silencioso do Brasil (2011)’ e ‘XI Estudos de Cinema e Audiovisual – Socine’ (2010).
Ficha do Trabalho
Título
- Entre Cinema e Videoclipe, Montagem de Atrações e Conflitos
Mesa
- Montagem Permitida: Eisenstein e Intermidialidade no Cinema Brasileiro
Resumo
- “Políticas de impureza” (Nagib), “montagem de atrações” (Eisenstein) e “passagens” (Benjamin) são conceitos implicados nesta investigação sobre relações intermidiáticas, a partir da produção de diretores que exploram uma dimensão musical em seus filmes, assim como um efeito cinematográfico em seus videoclipes. É o caso de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda, cujos trabalhos serão considerados como objetos de estudo, entre outros, ‘Cartola: música para os olhos’ (2006), codirigido por ambos.
Resumo expandido
- Com o pressuposto de que o cruzamento entre mídias em um filme induz uma experiência sinestésica, Ágnes Pethö observa a obra de Eisenstein como sendo um paradigma da intermidialidade no cinema. Como ela diz, a “famosa teoria da montagem [de Eisenstein] foi elaborada sobre a perspectiva do filme ser ‘música para os olhos’” (PETHÖ, 2011, p. 31). Seria então coincidência o fato de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda terem codirigido um filme intitulado ‘Cartola: música para os olhos’ (2006)? Como compreender a relação de cineastas que emergem a partir de uma forte relação com a música, como é o caso da geração Árido Movie, ou seja, dos realizadores que nos anos 1990, em Recife, vêm à cena trabalhando em consonância com o Manguebeat? Estas e outras perguntas fazem parte do filme-ensaio ‘Passages: travelling in and out of film through Brazilian geography’ (Lúcia Nagib, Samuel Paiva, 2019) que, na perspectiva da intermidialidade, propõe uma reflexão sobre a produção que emerge no Brasil a partir da Retomada do Cinema Brasileiro.
Esta comunicação parte de um aspecto desse filme, a saber, a investigação do cinema e suas relações intermidiáticas com a música ou entre filmes e videoclipes como produtos de mídias aproximados e diversos, considerando como objetos de análise trabalhos de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda. Trabalhando juntos ou separados, além do já referido ‘Cartola’, ambos realizaram outros filmes em que o investimento musical constitui um tropo das narrativas. No caso de Ferreira: ‘Baile perfumado’ (codireção de Paulo Caldas, 1996), ‘Árido movie’ (2005), ‘O homem que engarrafava nuvens’ (2009), ‘Sangue azul’ (2014). No caso de Lacerda, sua filmografia é mais ampla como roteirista mas, na direção, inclui outro longa-metragem – ‘Tatuagem’ (2015) – e as séries ‘Fim do mundo’ (em codireção com Lírio Ferreira, 2016) e ‘Lama dos dias’ (em codireção com DJ Dolores, 2018). Ferreira e Lacerda também dirigiram diversos videoclipes para bandas e músicos tais como Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, Mestre Ambrósio, Otto, Faces do Subúrbio, entre vários outros.
O que move tal anseio de criação? Como hipótese, uma possibilidade é que a intermidialidade responde a uma situação de crise. Reunir forças – cinema e outras mídias – seria uma forma de manter uma produção que pode ser ameaçada inclusive pela falta de políticas públicas, como ocorreu com o fim da Embrafilme no início dos anos 1990, e como está ocorrendo agora, com a extinção do Ministério da Cultura no Brasil. Nesse sentido, a intermidialidade implica “políticas de impureza”, como propõe Lúcia Nagib (2014, p. 27), ao relacioná-la a uma “crise dialética sempre presente” ou a um “dilema” implicado nas formas artísticas e na “consciência de sua insuficiência”. Nesse ponto, possivelmente filmes e videoclipes se retroalimentam, estabelecendo simultânea e dialeticamente uma falta e uma presença nos diversos produtos correlacionados.
Outra possibilidade aponta para uma problemática que Eisenstein já discutia nos anos 1920, quando, com base no materialismo histórico (cf. TAYLOR, 1999, p. 6), reconhecia que o cinema absorveu características das demais artes, o que acabava por impactar “o problema da abordagem materialista da forma”. Em sua visão, a montagem das atrações, por exemplo, implica tanto um caráter técnico como ideológico, no sentido de ideias apresentadas dialeticamente com um propósito revolucionário. Comparada tal problemática com o final do século XX, são sintomáticos tanto o embate entre formas analógicas e digitais, como a reinserção de Pernambuco no mapa do cinema mundial a partir de “atrações” locais.
Também na chave do meterialismo histórico, há ainda a possibilidade de compreendermos o fenômeno intermidiático enquanto “passagens”, no sentido proposto no livro póstumo de Walter Benjamin (2007), para quem a História pode ser concebida enquanto um princípio de montagem de conflitos permanentes, com citações, aforismos, fragmentos que se opõem a uma teleologia.
Bibliografia
- BAZIN, A. Pour un cinéma impur – défense de l’adaptation. In. Qu’est-ce que le cinéma? Paris: CERF, 2013, pp. 81-106.
BENJAMIN, W. Passagens. Trad. Irene Aron. Belo Horizonte, São Paulo: Editora da UFMG, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007.
EISENSTEIN, S. The montage of attractions (1923). In: TAYLOR, R. (Ed.). The Eisenstein reader. London: British Film Institute, 1998, pp. 29-34.
EISENSTEIN, S. The montage of film attractions (1924). In: TAYLOR, R. (Ed.). The Eisenstein reader. London: British Film Institute, 1998, pp. 35-52.
NAGIB, L. The politics of impurity. In. NAGIB, L.; JERSLEV, A. (eds). Impure cinema: intermedial and intercultural approaches to film. London, New York: I.B. Taurus, 2014, pp. 21-39.
PETHÖ, A. Cinema and intermediality: the passion for the in-between. UK: Cambridge Scholars Publishing, 2011.
TAYLOR, R. (Ed.). The Eisenstein reader. London: British Film Institute, 1998.