Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Alexandre Gomes do Nascimento (ECA/USP)

Minicurrículo

    Diretor de fotografia com mais de 15 anos de experiência no mercado audiovisual. Ao longo desse período, desenvolveu trabalhos para o cinema, televisão e internet. No jornalismo, participou da cobertura de grandes eventos como Eleições Presidenciais, Copa do Mundo do Brasil e Desastre Ambiental de Mariana. Atualmente, é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA-USP, onde desenvolve uma pesquisa sobre cinematografia digital e realismo.

Ficha do Trabalho

Título

    O realismo cinematográfico no contexto do digital: Tensões e conflitos

Seminário

    Teorias e análises da direção de fotografia

Resumo

    O digital é capaz de aumentar o realismo das obras audiovisuais? De um lado, os defensores da tecnologia acreditam que os aperfeiçoamentos técnicos aproximam, cada vez mais, a experiência cinematográfica do real. Porém, pela semiótica de Charles Sanders Peirce, pode-se inferir que a codificação digital afasta o signo imagético da essência realista. Através da cinematografia de Emmanuel Lubezki em “O Regresso”, pretendemos explorar as tensões, conflitos e contradições acerca do referido tema.

Resumo expandido

    O advento do digital no campo das artes audiovisuais tem suscitado debates acalorados em nível acadêmico e de mercado. Os defensores da tecnologia acreditam que os aperfeiçoamentos técnicos obtidos nos últimos anos justificam a sua utilização não apenas em termos econômicos, mas também estilísticos. Aumento das resoluções espacial e cromática, da sensibilidade das câmeras, registro em altas taxas de quadro para o aumento de nitidez; mudanças importantes na materialidade da imagem que favorecem o audiovisual contemporâneo a aproximar-se, cada vez mais, da experiência do real. Essa crença na capacidade dos dispositivos técnicos em adicionar camadas de realismo ao tecido cinematográfico encontra fundamentação nas teorias de André Bazin, segundo o qual os “aperfeiçoamentos acrescentados pelo cinema só podem, paradoxalmente, aproximá-lo de suas origens” (BAZIN, 2014, p.39), ou seja, ser uma arte essencialmente realista.
    Em suas análises, Bazin costumava argumentar sobre a importância dos avanços técnicos para a consolidação de um ideal cinematográfico. Ele foi um dos grandes defensores do cinema sonoro por considerar que essa tecnologia aumentava o grau de realismo da experiência fílmica. Além de mostrar uma ação em toda sua integralidade espacial e temporal, o cinema tornou-se apto para reproduzir os sons dos ambientes e acontecimentos. Por esse mesmo motivo, Bazin refutava a ideia daqueles que consideravam o cinema mudo uma arte plena, pois a ausência de elementos expressivos como a cor e o som afastavam tais obras do conceito de “imitação integral da natureza” (BAZIN, 2014, loc. cit.). Se os constantes avanços tecnológicos apenas aproximam as artes audiovisuais do realismo, o que dizer do digital?
    A resposta para essa questão não é uma tarefa simples, ainda mais quando as abordagens teóricas revelam uma série de tensões, contradições e conflitos. Pelo ponto de vista da semiótica de Charles Sanders Peirce, pode-se inferir que a cinematografia digital afasta-se da essência realista na medida em que o signo imagético deixa de ser fruto da sensibilização direta da luz num suporte fotoquímico, para se tornar parte de um processo matemático e interpretativo realizado por aparelhos. Nesse caso, as imagens adquirem um caráter mais icônico do que indicial. A indexicalidade, aliás, é uma característica fundamental sobre a qual muitos estudiosos se apoiaram para defender a objetividade da imagem cinematográfica. Sobre esse assunto, Bazin dizia que “pela primeira vez, entre o objeto inicial e sua representação, nada se interpõe, a não ser outro objeto.” (BAZIN, 2014, p.31). É importante perceber que, independente dos processos, a todo momento estamos lidando com representações, ou seja, produção de signos que estão no lugar de algo. Dessa forma, observa David Norman Rodowick (apud GAUDREAUT, MARION, 2016, p.78), “aquilo que nos parece fotográfico e, portanto, causal, é, de fato, simulado e, portanto, intencional.”
    No campo prático, esse debate sobre o estatuto da imagem, ou seja, sua condição material, tem deslocado e simplificado a construção da ilusão do real. Em “O Regresso”, por exemplo, o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki gravou longos planos sequência em profundidade de campo utilizando apenas luz natural, algo que só foi possível em função da capacidade das câmeras digitais trabalharem em ambientes pouco iluminados, sem comprometer os contrastes e as cores. Para Lubezki, a luz natural faz com que o público sinta, de maneira quase presencial, aquilo que é mostrado na tela. “As câmeras digitais nos permite filmar neste ambiente muito escuro, mas também gravar cenas de uma forma que parece mais naturalista, sem grãos ou qualquer coisa entre o público e o personagem. Portanto, este tipo de câmera é um pouco como uma janela para este mundo […]” (GROBAR, 2015, tradução nossa). Aumento da resolução espacial, cromática, maior sensibilidade aos estímulos luminosos, enfim, o digital favorece ou atrapalha o realismo cinematográfico?

Bibliografia

    BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984
    BAZIN, André. O que é o cinema? São Paulo: Cosac Naify, 2014
    COUTINHO, Mário Alves. O realismo impossível: André Bazin. Tradução, introdução e notas de Mário Alves Coutinho. Belo Horizonte: Atutêntica, 2016
    GAUDREAULT, André et all. O fim do cinema? Uma mídia em crise na era digital. Tradução de Christian Pierre Kasper. São Paulo: Papirus, 2016
    GROBAR, Matt. ‘The Revenant’ D.P. Emmanuel Lubezki On Close-Ups With DiCaprio, Frozen Equipment & Improvising With Inarritu. 2015. Disponível em . Acessado em 16/04/2019
    LAURENTIZ, Paulo (1991). A Holarquia do pensamento artístico. Campinas, SP: Edunicamp.
    PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Tradução de José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2017
    XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: A opacidade e a transparência. 7ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2017