Ficha do Proponente
Proponente
- Jennifer Jane Serra (CAV/USP)
Minicurrículo
- Professora do CAV – Centro Audiovisual de São Bernardo do Campo, onde trabalha com história e práticas experimentais do cinema de animação. Possui Doutorado e Mestrado em Multimeios pela UNICAMP onde examinou a emergência do documentário animado e sua recepção fílmica no campo do cinema documentário. Integra os grupos de pesquisa Zootropo e MidiAto da USP e atualmente pesquisa a representação da memória na animação não ficcional no Brasil e na América Latina.
Ficha do Trabalho
Título
- Animação e memória: as subjetividades políticas no filme “Torre”
Mesa
- Animação e efeitos visuais: questões de teoria e prática
Resumo
- Este trabalho apresenta uma análise da relação entre animação e memória no curta-metragem brasileiro “Torre” (Nádia Mangoline, 2017). Neste filme, a animação é usada para representar as lembranças traumáticas dos filhos de Ilda Martins e Virgílio Gomes da Silva, militantes políticos durante a ditadura brasileira. Partindo dessa análise, examinaremos também como o recurso à animação como meio de visualizar o passado pode estar associado à valorização da subjetividade no cinema contemporâneo.
Resumo expandido
- A representação da memória através de imagens animadas tem se mostrado um recurso frequente em filmes produzidos na América Latina nos últimos anos. No conjunto dessas produções, que incluem não ficções, ficções e produções híbridas, destacam-se filmes documentários com uma abordagem subjetiva na recordação de eventos pessoais e também históricos. Nessas obras, evidencia-se também o trabalho com a memória tanto como tema abordado quanto como estratégia para a retomada do passado. Partindo dessas produções, desenvolvemos um estudo sobre o uso de animação em filmes que trabalham a memória no Brasil e no continente latino-americano e propomos, com esta comunicação, apresentar uma análise de como a memória é retratada em imagens animadas no curta-metragem “Torre” (Nádia Mangolini, 2017). Este documentário animado apresenta os depoimentos de Isabel, Gregório, Virgílio e Vlademir, filhos de Ilda Gomes Martins da Silva e Virgílio Gomes da Silva. Durante a ditadura civil-militar brasileira, Virgílio foi preso e “desapareceu”, enquanto Ilda foi presa e forçada a viver no exílio, junto com seus filhos, até o retorno da democracia no país. Seguindo a ordem de testemunhos da filha mais nova, Isabel, até o mais velho, Vlademir, o filme representa, por meio de uma animação com diferentes visualidades estéticas, tanto a ausência de memórias como a dificuldade de comunicação de lembranças traumáticas. Em filmes documentários como Torre, a animação conforma uma ferramenta que fortalece a subjetivação no tratamento de temas e expande as possibilidades de representação e produção de sentidos para além das potencialidades da imagem filmada. Além disso, a opção pela animação revela um desejo de documentar o mundo de maneira diferente da tradição documentária, fundamentada na imagem da câmera. Recursos próprios ao meio da animação, como a penetração em espaços interiores e o simbolismo, não são comuns a filmes documentários tradicionais e constituem formas de documentar particulares ao documentário animado. A partir dessas ferramentas, a animação produz sentidos de maneira singular, representando em imagens aquilo que a câmera não é capaz de retratar como, por exemplo, os eventos passados e as dimensões subjetivas da realidade, entre essas, o espaço da memória. Com a análise de Torre, pretendemos examinar também a ascensão de filmes de animação sobre questões políticas e históricas na América Latina e como esse fenômeno está relacionado à relevância da perspectiva de primeira pessoa nas narrativas contemporâneas. Consideramos que a expansão da animação na produção audiovisual que tematiza a realidade latino-americana contemporânea pode ser relacionada à valorização do testemunho como forma de acesso à história do continente, como apontou Beatriz Sarlo (2007) ao afirmar que o presente caracteriza-se por uma dimensão intensamente subjetiva tanto nos discursos cinematográficos, como na mídia e na literatura. Consideramos igualmente importante analisar como as produções baseadas na memória também reivindicam um olhar diferente da historiografia oficial sobre eventos políticos do Brasil e da América Latina. Assim como a animação, a memória aparece nessas obras como forma de acesso ao passado que permite compreendê-lo a partir de novas perspectivas, as quais se constroem com base em experiências pessoais. Com essa análise, portanto, apresentaremos também uma reflexão de como a memória animada pode ser entendida como recurso de resistência a processos diversos de silenciamentos e/ou esquecimentos na construção da memória coletiva brasileira e latino-americana.
Bibliografia
- ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Trad. Paloma Vidal. Rio de Janeiro: Editora UERJ, 2010.
BRUZZI, Stella. New Documentary. 2.ed. Londres: Routledge, 2006.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Trad. Laurent Léon Schaffter. São Paulo: Edições Vértice, 1990.
HONESS ROE, Annabelle. Animated Documentary. Londres: Palgrave Macmillan, 2013.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão… [et al.] Campinas: Editora da Unicamp, 2003.
MANGOLINI, Nádia. Entrevista concedida a Jennifer Serra. Material não publicado. São Paulo, 2018.
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Trad. Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2007.
SERRA, Jennifer Jane. A vida animada: (re)construções do mundo histórico através do documentário animado. 2017. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP.