Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro Pinheiro Neves (UFRJ)

Minicurrículo

    Pedro Pinheiro Neves é mestre em Comunicação pela UFPE e doutorando em Comunicação e Cultura na UFRJ, onde desenvolve pesquisa sobre o corpo na fotografia de moda. É autor, com André Antônio Barbosa, Denilson Lopes e Ricardo Duarte Filho, do livro Inúteis, frívolos e distantes: à procura dos dândis, a ser lançado pela editora Mauad X este ano.

Ficha do Trabalho

Título

    Como dar close na precariedade: o cinema dândi-periférico de Sosha

Seminário

    Cinemas pós-coloniais e periféricos

Resumo

    Com orçamento zero e câmeras de celular, o artista Sosha já realizou sete curtas. Apesar da precariedade da produção, seus filmes transformam áreas degradadas do Recife, Rio ou Brasília em glamorosos cenários de editorial de moda, onde personagens queer não-brancos desfilam ao som de uma trilha internacional. Este trabalho analisa os filmes de Sosha como paradoxais exercícios de elitismo democrático, que reivindicam o luxo, a beleza e um olhar dândi para o mundo como direitos de qualquer pessoa.

Resumo expandido

    Com orçamento zero e contando apenas com a ajuda de amiga/os e câmeras de celular, o multiartista recifense Sosha já realizou sete curtas-metragens, todos disponibilizados gratuitamente no YouTube. Apesar da precariedade da produção, em seus filmes a cidade – seja Recife, Rio de Janeiro ou Brasília – se transforma num glamoroso cenário de editorial de moda, onde personagens fabulosas desfilam ao som de uma trilha internacional.
    Negro, gay e oriundo da periferia, Sosha mantém uma relação ambígua tanto com o establishment do cinema autoral pernambucano quanto com movimentos sociais relacionados ao direito à cidade ou organizados a partir da identidade (racial, sexual ou de classe) como eixo central de auto-compreensão e luta política. Criando arte de forma independente, sem buscar inserção nos circuitos profissionais de captação de recursos, produção e circulação cinematográfica, Sosha ainda assim frequenta socialmente a cena artística, com a qual mantém uma relação de distância crítica pautada pela ironia, quando não pelo deboche, tornando visível o sistema implícito de privilégios que estrutura um milieu majoritariamente branco e de classe média.
    Trabalhando em colaboração com uma rede de jovens LGBT e reservando o protagonismo dos seus filmes quase sempre a mulheres trans e travestis, Sosha tampouco se encaixa com facilidade em qualquer tradição de cinema militante ou abertamente “político”, se por esses termos se entende a tematização de opressões ou a reivindicação explícita de justiça social ou reparações históricas.
    O trabalho de Sosha dialoga principalmente com as imagens e o imaginário da moda, materializado em desfiles, campanhas publicitárias e editoriais de revistas. Os curtas se apropriam das fantasias glamorosas e, por vezes, perturbadoras da high fashion e as transplantam para cenários periféricos e para corpos não-normativos, não com um intuito paródico ou para marcar a distância entre esses universos, mas, pelo contrário, para reivindicar o pertencimento de locais e corporalidades ditas dissidentes aos mundos de luxo e refinamento da moda. Liberadas das suas funções publicitárias e comerciais, as fantasias da alta moda revelam seu potencial disruptivo e queer, ao colocar em cena formas de beleza mutantes e formas de vida desafiadoras de valores produtivistas e utilitários.
    Este trabalho analisa os filmes de Sosha como atualizações da figura do dândi – que o próprio artista encarna em sua vida -, entendido como um sistema de poses e códigos filtrados por uma sensibilidade estetizante, irônica e ambígua, destinados a inverter as relações entre frivolidade e seriedade, essência e aparência, autenticidade e afetação, privilegiando uma forma de estar-no-mundo pautada pela elegância e pelo refinamento.
    Se o dandismo é comumente pensado como fenômeno da alta sociedade, expressão rarefeita de um estilo de vida indolente e endinheirado, ele é também, em sua origem, o produto e expressão de uma sociedade em transformação, em que a posição social não é dada de antemão por títulos e sobrenomes, mas é móvel e escorregadia, podendo ser galgada com um esforço de autoinvenção, um senso impecável de estilo e uma dignidade pessoal a toda prova. Desafiando valores aristocráticos, o dandismo tampouco se pauta em uma ética burguesa de trabalho, empreendedorismo capitalista, inovação ou criação transcendente – nem mesmo artística. A arte do dândi é a moldagem do seu próprio corpo, da sua figura e sua pessoa em uma criatura extraordinária.
    Os filmes de Sosha encarnam um paradoxo: são exercícios de elitismo democrático, de uma superioridade aristocrática a princípio não vedada a ninguém por motivos mesquinhos como fortuna ou pedigree. Como dândi, Sosha afirma seu direito de pertencimento a qualquer espaço e sua indiferença em relação às barreiras que se erguem contra aqueles percebidos como indignos. No seu cinema, o luxo, a beleza e o glamour são direitos de qualquer pessoa.

Bibliografia

    AGAMBEN, G. Beau Brummell ou a apropriação da irrealidade. In Estâncias. Belo Horizonte: UFMG, 2007, p 81-93.
    BARBOSA, A. A. Constelações da Frivolidade no Cinema Brasileiro Contemporâneo. Tese. PGCOM UFRJ, Rio de Janeiro, 2017.
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    STEFFEN, L. O Cinema Que Ousa Dizer Seu Nome. São Paulo: Giostri, 2016
    TADEU, T. (org.). Manual do Dândi. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.