Ficha do Proponente
Proponente
- Tomyo Costa Ito (PPGCOM-UFMG)
Minicurrículo
- Doutorando em Comunicação (PPGCOM-UFMG, 2017-) com pesquisa sobre a estética da elaboração do passado em Rithy Panh. Mestre em Comunicação (PPGCOM-UFJF, 2013). Graduado em Comunicação (UFJF, 2009). Participou do programa sanduíche no exterior da Capes (out/2018-jul/2019), na Université Paris 1 e na American University of Phnom Penh. No Camboja, conduziu pesquisa com os arquivos do Centro Bophana. Realizou o curta de documentário Missa (2012) e a videoinstalação Espelhos do Tempo (2014).
Ficha do Trabalho
Título
- A duração da palavra filmada em três livros de Rithy Panh
Seminário
- Teoria dos Cineastas
Resumo
- Abordamos três livros do cineasta cambojano Rithy Panh na relação com seu trabalho cinematográfico e de memória. Eles enfatizam um elemento decisivo em sua obra: a relação que ele estabelece com os filmados, fornecendo-lhes um espaço de palavra que dura no tempo, respeitando suas respirações com intuito de lhes dar dignidade. Os livros evidenciam o minucioso trabalho de escuta do cineasta, ao mesmo tempo, permite a ele refletir sobre suas escolhas éticas e estéticas na elaboração do passado.
Resumo expandido
- Claude Lanzmann, Harun Farocki, Atom Egoyan e Rithy Panh não são apenas realizadores, mas pensadores de um cinema que busca apresentar as catástrofes. Segundo Sylvie Rollet (ROLLET, 2011), eles estabelecem, por meio de seus filmes, cada um à sua maneira, uma “ética do olhar”. Rithy Panh, em um percurso de 30 anos, “elabora a memória histórica” (LEANDRO; 2014) do genocídio ocorrido no Camboja a partir de uma atenção ao tempo presente na duração dos encontros com os filmados. Em três livros, ainda não publicados no Brasil, o cineasta dá continuidade ao espaço de palavra dado aos filmados retomando seus testemunhos e refletindo sobre esse trabalho de memória realizado em conjunto.
Em 1999, o cineasta começa, em parceria com Vann Nath, pintor e sobrevivente da prisão S21, o trabalho de filmagem de S21, A máquina de morte do Khmer Vermelho (2003) que vai durar três anos. Não apenas o espaço do Museu, mas seu documentos e imagens de arquivo serão colocados em cena no encontro entre as vítimas e seus antigos carrasco (os guardas da prisão). O filme cria um dispositivo que reconstitui a memória a partir dos rastros de um passado que quase foi apagado. Esse longo trabalho de entrevistas, encontros e reencenações é descrito no livro La machine khmere rouge que é, também, lugar de reflexão de Panh: “A elaboração da memória dos torturadores e das vítimas não pode ser situado no mesmo nível. Cada sofrimento, cada dor tem um caminho diferente” (PANH; CHAUMEAU, 2009: 236).
Não é só o período do Khmer Vermelho que interessa ao cineasta, mas como as políticas neoliberais mantém os cambojanos numa situação de dominação e de falta de um trabalho de memória. O filme Os atores do teatro queimado (2005) aponta para o estado da cultura: o único teatro do país está destruído no meio da capital Phnom Penh, mas do outro lado da rua há um grande cassino. Já o filme O papel não pode embrulhar brasas (2007) dá um espaço de fala às prostitutas que sobrevivem na cidade. As filmagens duraram 18 meses e virou também um livro de mesmo nome que amplia o espaço de testemunho das mulheres. É preciso lhes dar um rosto e devolver sua dignidade: “Suas palavras se levantam aqui contra a negação do humano” (PANH; LORENTZ, 2007: 17).
No fim dos anos 2000, é instaurado o tribunal para julgar os líderes do Khmer Vermelho. Panh não consegue se manter distante e parte para entrevistar, por mais de 100 horas, o antigo diretor da prisão S21 no filme Duch, o mestre das forjas do inferno (2011). O cineasta busca à palavra do ditador, mas estabelece um confronto que se faz em larga medida pelo uso dos arquivos produzidos pelo próprio regime, mas. também, por todo o material acumulado no processo de elaboração da memória histórica pelo cineasta, entre eles os testemunhos filmados durante os três anos de trabalho de S21. O confronto com Duchvterá um impacto em Panh. É o momento do diretor dar, finalmente, um maior espaço para a sua própria palavra e as suas memórias. No livro L’Élimination, ele elabora a difícil experiência de filmar o ditador, ao mesmo tempo, em que rememora sua infância e sua luta pela sobrevivência durante o regime do Khmer Vermelho. “Eu não estou buscando pela verdade objetiva hoje; eu quero palavras. Especialmente as de Duch. Quero que ele fale e se explique” (PANH, 2013a: 11). O filme A imagem que falta (2013) é, então, a continuidade do trabalho de rememoração e de luto de sua infância que não pôde ser vivida e da perda de seus familiares. Trabalho de luto que prossegue em seus dois últimos filmes Exílio (2016) e Os túmulos sem nome (2018).
Os três livros correspondem a um trabalho mais amplo de Rithy Panh na reconstrução da memória cambojana que passa pelo uso da palavra. “A escrita me permitiu esculpir melhor as palavras, nomear as coisas com mais precisão” (PANH, 2013b: 239). Ela é um meio pelo qual o cineasta pode refletir sobre seu próprio trabalho, sobre seu luto e garantir ainda mais o espaço da palavra dos filmados.
Bibliografia
- LEANDRO, Anita. A história na primeira pessoa: em torno do método de Rithy Panh. In: 23º Encontro Nacional da Compós, 2014.
PANH, Rithy; LORENTZ, Louise. Le papier ne peut pas envelopper la braise. Paris: Bernard Grasset, 2007.
PANH, Rithy; CHAUMEAU, Christine. La machine khmère rouge: Monti Santésok S-21. Paris: Flammarion, 2009.
PANH, Rithy. The elimination. Londres: The Clerkenwell Press, 2013a.
______. Meu projeto excede o de um cineasta: Entrevista com Rithy Panh. In: Catálogo da mostra O cinema de Rithy Panh. Centro Cultural Banco do Brasil, p. 235-247, 2013b.
ROLLET, Sylvie. Une étique du regard : Le cinéma face à la Catastrophe, d’Alain Resnais à Rithy Panh. Paris: Hermann Édition, 2011.