Ficha do Proponente
Proponente
- Alexandre Wahrhaftig (ECA-USP)
Minicurrículo
- Alexandre Wahrhaftig é mestre (2015) e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA-USP. No mestrado desenvolveu pesquisa sobre Abbas Kiarostami e, atualmente, estuda o motivo da repetição no cinema brasileiro moderno. É também montador, diretor e fotógrafo.
Ficha do Trabalho
Título
- Inferno de repetições: Glauber e Sganzerla em comparação
Seminário
- Cinema comparado
Resumo
- Separados por uma década, “Copacabana mon amour” (1970) e “A idade da terra” (1980) são dois filmes que fazem da repetição uma forma central de seus discursos. Elaborado em diversos níveis (montagem, mise en scène, performances), o trabalho de repetições, quando em comparação, ajuda a iluminar a complexidade das obras de Rogério Sganzerla e Glauber Rocha, principalmente nos âmbitos de uma reflexividade meta-cinematográfica e de uma figuração do transe religioso e social.
Resumo expandido
- As semelhanças entre “Copacabana mon amour” (1970), filme de urgência dirigido por Rogério Sganzerla no Rio de Janeiro, exemplar de seu trabalho pela produtora Belair, e “A idade da terra” (1980), o monumental filme-testamento de Glauber Rocha, gestado por anos e rodado em três regiões do Brasil, são um tanto surpreendentes, ainda mais quando consideradas a reiterada inimizade travada entre os dois cineastas e a distância de uma década que separa os filmes, colando o primeiro ao contexto pós AI-5 e o segundo ao contexto pré-abertura da ditadura civil-militar. Encontramos em ambos, de diferentes formas, tentativas de expandir o discurso sobre o contexto brasileiro para um referencial cósmico, uma leitura da história em camadas de tempo que se sobrepõem, uma presença fortíssima do transe de matriz reliogosa afro-brasileira e uma agonia expansiva e exasperante nas performances do elenco. A esses elementos, soma-se a repetição, cuja centralidade nas obras faz de sua utilização enquanto recurso de composição uma experiência fundamental do discurso cinematográfico de ambos.
Os personagens de “Copacabana mon amour”, por exemplo, atravessam o filme repetindo gestos e frases incessantemente. Logo nos primeiros minutos, a personagem de Sônia Silk (Helena Ignez), após ser vista em um terreiro, aparece sob convulsões diante da mãe repetindo várias vezes que vai morrer. O transe surge como possibilidade de leitura e justificativa para a repetição que acomete Sônia Silk, bem como outros personagens. As repetições, porém, se disseminam de tal forma que o transe acaba por se descolar da experiência religiosa e englobar quase toda a experiência social das personagens.
“A idade da terra” também carrega personagens com gestos e falas repetitivas, mas elege o Cristo Militar (Tarcísio Meira) como veículo máximo da repetição. Há cenas emblemáticas em que o vemos repetindo um texto tantas vezes que uma sensação de condenação infernal toma conta do filme, sensação que também atravessa o filme de Sganzerla. É importante frisar que a repetição não é dado temático ao qual os filmes aludem, pois sua presença estrutura a temporalidade das obras, reiterando, no tempo do desenrolar da projeção, a angústia infernal do tempo da experiência social e política.
A presença constante da religião (em especial afro-brasileira) no filme de Glauber, volta a sugerir o transe como matriz das repetições, mas não esgota nele os seus sentidos. A repetição também reitera certos traços dos personagens e, mais do que isso, faz com que o filme volte-se sobre si, remetendo ao próprio processo do fazer e do pensar a obra.
Este sentido meta-cinematográfico está presente em “Copacabana mon amour”, mas em “A idade da terra” alça outro patamar, pois, para além dos corpos em repetição, acrescenta-se uma montagem que faz do retorno o próprio motor para o seu avançar sem avançar, aludindo não só às diversas tomadas necessárias para a realização de uma cena, mas ao próprio material fílmico sob trabalho na montagem. Em “Copacabana mon amour”, a preferência pelo plano-sequência enfatiza mais o caráter físico-corporal da cena do que sua construção a posteriori na ilha de montagem (ainda que o filme também seja bastante fragmentário em sua estrutura).
Nossa hipótese é de que a repetição, sendo central em ambos filmes, pende, na obra de Glauber Rocha, para uma explicitação do trabalho do cinema e, na de Rogério Sganzerla, para uma disseminação do transe como dado da realidade social brasileira, elementos, porém, trabalhados por ambos, cada um a seu modo, e sempre através de uma repetição exasperante.
Bibliografia
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SGANZERLA, R. Edifício Rogério – Textos Críticos 1. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2010a.
TEIXEIRA, F. E. O terceiro olho: ensaios de cinema e vídeo (Mário Peixoto, Glauber Rocha e Júlio Bressane). São Paulo: Perspectiva/Fapesp, 2003.
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XAVIER, I. Evangelho, terceiro mundo e as irradiações do planalto. Filme Cultura, n. 38/39, p. 69–73, 1981.
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