Ficha do Proponente
Proponente
- Livia Azevedo Lima (ECA-USP)
Minicurrículo
- Livia Azevedo Lima é doutoranda com bolsa FAPESP do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais na Universidade de São Paulo (USP), onde desenvolve a pesquisa Trilogia da Paixão: Saraceni leitor de Lúcio Cardoso.
Ficha do Trabalho
Título
- O casal e as ruínas em Rossellini e Saraceni
Seminário
- Cinema comparado
Resumo
- Nesta comunicação, pretendemos observar como o motivo temático do casal em crise no cenário de ruínas é filmado em Viagem à Itália (1954), de Roberto Rossellini, e em Porto das Caixas (1962) e O desafio (1965), de Paulo César Saraceni. Enquanto Viagem à Itália registra o famoso sítio arqueológico de Pompeia, atração turística mundial, os filmes de Saraceni mostram construções arruinadas com uso semelhante ao de terrenos baldios na periferia do Ocidente.
Resumo expandido
- Ruínas rendem locações altamente fotogênicas. Com seus restos de janelas e portas, elas oferecem muitas possibilidades de molduras dentro do plano, zonas de sombra e luz. Enquanto seus tijolos aparentes, paredes descascadas e eventuais vegetações crescendo sem controle acrescentam textura à imagem. Além disso, ao contrastá-las com a figura humana, é possível criar um sentido de decadência, miséria física ou moral, mas também de nostalgia de um passado grandioso, como as ruínas de grandes civilizações.
Nesta comunicação, pretendemos observar como o motivo temático do casal em crise no cenário de ruínas é filmado em Viagem à Itália (1954), de Roberto Rossellini, e em Porto das Caixas (1962) e O desafio (1965), de Paulo César Saraceni. O cineasta brasileiro era fã declarado de Rossellini e afirmou ter visto Viagem à Itália 25 vezes em apenas uma semana. Isso em 1955, nas salas de cinema do Rio de Janeiro, onde vivia. O número impressiona, mas, independentemente de ser preciso ou não, Rossellini é uma referência incontornável para Saraceni, que, inclusive, escolheria comparar Paisà (Roberto Rossellini, 1946) a O encouraçado Potemkin (Serguei Eiseinstein, 1925) na tese que defendeu no Centro Sperimentale di Cinematografia, em 1961.
Enquanto Viagem à Itália filma o casal no complexo de Pompeia, uma Disneylândia das ruínas, institucionalizada como sítio arqueológico e atração turística mundial, Saraceni registra construções arruinadas que mais parecem servir ao mesmo fim de terrenos baldios – um lugar para atividades escusas de toda ordem ou, no caso dos filmes de Saraceni, para encontros extraconjugais de amantes que não podem ser vistos em espaços públicos. Os encontros de Porto das Caixas ocorrem em uma fábrica abandonada e nas ruínas do Convento de São Boaventura, na fazenda Macacu (Itaboraí, RJ), que seriam tombadas pelo Iphan em 1980. E a ruína não identificada de O desafio é, na narrativa, uma pensão que teria sido incendiada por um poeta sem dinheiro para pagar pelo quarto.
O status oficial das ruínas de Pompeia passa também ao casal que ali passeia: casados há oito anos, enquanto viajam de Londres para Nápoles a fim de tratar de uma propriedade herdada, o casal assiste ao que ruiu entre eles e à paralela aparição de ressentimentos e ciúmes. Se os ingleses ilustrados iam ao Mediterrâneo em busca das origens da cultura ocidental nos Grand Tours do século 18, os personagens de Viagem à Itália encontram em Nápoles um canto das sereias: o dolce far niente que abala as certezas de sua monótona vida conjugal assistida por funcionários.
Mesmo que Porto das Caixas e O desafio não apresentem as mesmas pretensões totalizantes em relação ao Brasil dos filmes que Ismail Xavier aproximou ao conceito de alegoria, esta presença de algo que ainda parece ser construção, quando já é ruína, como diria Caetano Veloso, chama a atenção. Em um país que reitera que seus grupos indígenas não deixaram edificações como as do México e do Peru que devam ser preservadas (apesar das datações da ocupação humana e do legado cultural das pinturas rupestres da Serra da Capivara, por exemplo), é constante a ideia de que é preciso “salvar” nosso patrimônio da ruína, geralmente fruto de negligência. Como Rossellini, o interesse de Saraceni é pela fragmentação de sujeitos modernos particulares, mas, nesse caso, o particular se dá no Brasil – periferia do Ocidente – antes e depois do Golpe Militar de 1964.
Bibliografia
- CARVALHO, Maria do Socorro. “Neo-realismo e Cinema Novo: Roberto Rossellini, Paulo César Saraceni e Glauber Rocha”. In: Catálogo da retrospectiva Roberto Rossellini – Do cinema e da televisão. São Paulo: Cinesesc/ Centro Cultural São Paulo, Cinusp Paulo Emílio, nov. 2003, pp. 28-29.
MATEVSKI, Nikola. “Em busca da ideia”. In: Uma visita ao Beauboug: itinerâncias do olhar de Roberto Rossellini. Dissertação de mestrado. São Paulo: ECA-USP, 2018, pp. 46-78.
RODRIGUES, Angela Rosch. “A noção de ruína: identificação, valorização e tratamento”. In: Ruína e patrimônio material no Brasil. Tese de doutorado. São Paulo: FAU-USP, 2017, pp. 39-85.
SARACENI, Paulo César. Por dentro do Cinema Novo: Minha viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
TOMACHEVSKI, B. et. al. “Temática”. Teoria da literatura: formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1983, pp. 169-204.
XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2013.