Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Erick Felinto de Oliveira (UERJ)

Minicurrículo

    Erick Felinto é Doutor em Literatura Comparada pela UERJ/UCLA e tem Pós-Doutorado em Estudos de Mídia pela Universität der Künste Berlin. É pesquisador do CNPq e professor associado na UERJ, onde realiza pesquisas sobre cinema e cibercultura. É autor dos livros Avatar: o Futuro do Cinema e a Ecologia das Imagens Digitais (Sulina, com Ivana Bentes) e O Explorador de Abismos: Vilém Flusser e o Pós-Humanismo (Paulus), entre outros.

Ficha do Trabalho

Título

    O Jardim das Afecções: Política Afetiva e Imagem em Olavo de Carvalho

Mesa

    Políticas da Imagem e Imagens da Política no Neoconservadorismo.BR

Resumo

    De astrólogo obscuro na São Paulo dos anos 1970, Olavo de Carvalho passou a encarnar um agente político e cultural de vital importância na ascensão da extrema direita no Brasil dos anos 2000 (seu canal no Youtube conta com quase 700 mil subscrições). Por meio de uma análise da construção discursivo-imagética de seus vídeos, pretende-se investigar as razões por trás dessa astronômica ascensão, ao mesmo tempo em que se buscará esboçar os mitologemas fundamentais do imaginário neoconservador.

Resumo expandido

    Para Vilém Flusser, as imagens técnicas representam um retorno modificado ao pensamento mágico característico da pré-história. Trata-se, afirma ele, de uma “magia de segunda ordem” (2002, p. 16): enquanto a primeira forma de magia ritualizava mitos, a nova forma ritualiza programas. Elas substituem, assim, a consciência histórica conceitual por uma capacidade imaginativa de segunda ordem. Se todo ato contemporâneo tende a transformar-se em imagem técnica, em uma nova espécie de magia, o pensamento conceitual e a racionalidade deixam de ditar as formas de interpretação do mundo para serem substituídos pela imaginação e por programas e modelos. Nesse sentido, nenhum campo de atividade social poderia ilustrar melhor tais transformações do que a política. De fato, face à desintegração da esfera pública no mundo contemporâneo, deve-se reconhecer que “a história da política chegou a um fim” (Die Geschichte der Politik ist zu Ende) (Flusser, 2008, p. 157). Não é mais no horizonte da política que buscamos nossa imagem do mundo, mas sim no domínio dos meios técnicos.
    Os temas da racionalidade e da decisão racional sempre constituíram problemáticas fundamentais da teoria política. Todavia, como seguir lidando com esses temas em uma época na qual, mais que nunca, a política se alia às imagens e se torna terreno da imaginação, das emoções e mesmo (para nos contrapormos a algumas das teses flusserianas) do mito? Raoul Girardet, por exemplo, propõe investigar precisamente aquilo que, na política, sempre foi tido como marginal, como o “que escapa às formulações demonstrativas, tudo que brota das profundezas das potencias oníricas” (1987, p. 10). O mito e o imaginário se convertem, assim, em importantes ferramentas para compreender o panorama político da contemporaneidade. Aliando-se à esfera da tecnociência e dos meios tecnológicos, o mito encontrou nas imagens técnicas um ambiente propício, no qual política e irracionalidade vieram estabelecer uma estranha aliança. O atual contexto político brasileiro parece oferecer um interessante estudo de caso, alimentando-se, acima de tudo, das imagens geradas nos ambientes digitais. Memes, vídeos de Youtube, tweets, mensagens de Whatsapp compõem uma espécie de paisagem eletrônica na qual se travaram e se travam disputas políticas em torno da captura do imaginário popular.
    Esse estado de coisas permitiria falar de uma “virada afetiva” no campo dos estudos políticos. Os sujeitos políticos já não podem mais ser encarados simplesmente como “atores racionais” desvinculados de emoção e paixão, numa perspectiva que resultava das influências positivistas e behavioristas marcando as ciências sociais no período do pós-guerra (Hoggett & Thompson, 2012, p. 1). O objetivo desta comunicação é investigar o cenário político contemporâneo a partir da ideia de uma política das imagens eletrônicas. Se estudos como o de Angela Nagle (2017) atribuem à internet um protagonismo fundamental na moldagem das guerras culturais (culture wars) contemporâneas e da ascensão de um conservadorismo tacanho em nível global, é preciso analisar de que formas as imagens técnicas se aliam aos afetos e ao pensamento mítico para configurar um cenário político inteiramente novo. Mais especificamente, meu objeto de estudo será a construção da persona midiática do ensaísta Olavo de Carvalho, definido pela imprensa brasileira como “o guru do Bolsonarismo”. De astrólogo obscuro na São Paulo dos anos 1970, Olavo de Carvalho passou a encarnar um agente político e cultural de vital importância na ascensão da extrema direita no Brasil dos anos 2000 (seu canal no Youtube conta com quase 700 mil subscrições). Por meio de uma análise da construção discursivo-imagética de seus vídeos, bem como do documentário “O Jardim das Aflições”, no qual é o personagem principal, pretende-se investigar algumas das razões por trás dessa astronômica ascensão, ao mesmo tempo em que se buscará esboçar os mitologemas fundamentais do imaginário neoconservador.

Bibliografia

    FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002.
    ________________. Kommunikologie weiter denken: Die Bochumer Vorlesungen. Frankfurt am Main: Fischer, 2009.
    GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
    HOGGETT, Paul & Thompson, Simon (orgs.). Politics and Emotions: The Affective Turn in Contemporary Political Studies. New York: Continuum, 2012.
    NAGLE, Angela. Kill all Normies: Online Culture Wars from 4Chan and Tumblr to Trump and the Alt-Right. Winchester: Zero Books, 2017.
    NARDIN, Terry. Rationality in Politics and its Limits. London: Routledge, 2018.