Ficha do Proponente
Proponente
- Juliana Froehlich (ViDi/UA)
Minicurrículo
- Juliana Froehlich é doutora em Film Studies and Visual Culture pela University of Antwerp (UA) (Bélgica)/onde foi bolsista CAPES. Publicou sobre métodos de pesquisa em arte contemporânea e apresentou trabalhos sobre as relações entre artes visuais e cinema. É mestre em Estética e História da Arte pela USP (2013). Psicóloga e Bacharel em Psicologia também pela USP (2010). Tem experiência na área de Artes Visuais e Cinema e é pesquisadora voluntária do Visual and Digital Research Group (ViDi/UA)
Ficha do Trabalho
Título
- Hitler IIIoMundo (1968) e H. Bosch: o imaginário grotesco e da loucura
Resumo
- Hitler IIIo Mundo (1968), apresenta um aglomerado de unidades narrativas (Moraes, 2011) em que o grotesco e a loucura são recorrentes. É possível identificar este imaginário também em pinturas medievais, como as de Hieronymus Bosch. Portanto, apesar do contexto distinto, pretende-se interpretar o imaginário do grotesco e da loucura presente no filme à luz de quadros de H. Bosch, fundamentando-se nas teorias da estética do grotesco, contribuindo para a reflexão sobre tais representações no Brasil
Resumo expandido
- O filme Hitler IIIo Mundo (1968) de José Agrippino de Paula, apresenta um aglomerado de unidades narrativas (Moraes, 2011), como um retábulo audiovisual, que são permeadas de corpos por vezes nus por vezes vestidos de símbolos (entre eles togas, perucas e espadas), o filme também é povoado de animais, monstros e pessoas de figura animalesca. No som, é possível se ouvir (não necessariamente em sincronia) vozes, sons de animais, ruídos, cochichos e gritos. Os cenários são diversos como jaulas, ruínas, favelas e quartos de manicômio. De modo análogo, A Nau dos Loucos e o Jardim das Delícias, pinturas medievais de H. Bosch, apresentam unidades de ações e símbolos distribuídos, muitos deles católicos, que figuram o grotesco e a loucura, indicando o imaginário infernal e dos excluídos através de figuras deformes e espaços amorfos. Um exemplo da proximidade figural entre o filme e as pinturas é a imagem do barco dos loucos encalhado, sem direção e sem resgate. Filme e pinturas, em seu todo, não chegam a formar um sentido unívoco, mas indicam a soma de sentidos e sensações sem formas definidas, como as figuras grotescas e as da loucura.
Tomando como paradigma a literatura, Bakthin (1987) definiu o realismo grotesco como a combinação entre humor, carnaval e corpo com base nos textos de Rabelais e seu contexto medieval – o mesmo de H. Bosch – no qual o carnaval tinha um papel essencial de regulador da sociedade. Igualmente, ao realismo grotesco caberia a inversão dos papéis sociais entre o alto e o baixo pelo jogo e pelo riso, assim como o corpo grotesco, que espelharia tal inversão, onde ao baixo corporal como excreção e sexo seriam dados o lugar central. O realismo grotesco teria um efeito positivo de renovação que, segundo Bakhtin (1987), se perdeu durante o romantismo dos séculos subsequentes. Connelly (2012) propõe uma teoria moderna da estética do grotesco fundamentada nas artes visuais. Como a autora aponta, a tentativa de delimitar o grotesco a uma única acepção do termo seria trair a mesma categoria que propõe justamente transpor limitações e definições. Segundo ela, o termo surgido nas artes visuais a partir das pinturas encontradas na Itália durante o século XV, se desdobraria em uma categoria contestadora na sociedade ocidental moderna. O grotesco opõe-se às normas de seu contexto (seja ele medieval ou atual) rompendo com as definições e distinções do normal e do anormal pela via mesma do ‘anormal’, do amorfo, do louco, da aberração, do abjeto. Connelly, então, incorpora à sua teoria moderna do grotesco, o jogo e o carnavalesco definido por Bakhtin. Se o realismo grotesco tem um principio positivo, o grotesco moderno abraça tal positividade ao desafiar o espectador e, consequentemente, a sociedade apresentando um espelho de si mesma. Logo, o grotesco habita o limiar das formas e o espaço onde acontece o jogo e o jogar, o Spielraum (Connely, 2012). O grotesco, portanto, é uma categoria limiar, ou des-, a-, in-forme. O grotesco mostra aquilo que não se quer ver ou que não se pode ver.
Deste modo, contando com a liberdade que a noção de grotesco permite e que é legitimada por Connelly (2012), assumindo a que definir algo como grotesco é identificar que aquilo rompe com as delimitações estabelecidas, pretende-se aproximar as pinturas de H. Bosch do filme de Agrippino de modo a vislumbrar interpretações do imaginário do grotesco e da loucura em que o corpo se faz presente como agenciador de limites e das quebras desses limites, que acontecem no filme, por exemplo, pela tortura que rompe o limite entre o real e o imaginário da vítima e, por vezes, pela via do corpo excessivo, como o de Jô Soares que percorre as favelas fantasiado (como no carnaval) de uma junção de lutador de sumo com samurai. Entre o jogo, o riso e o abjeto, o grotesco e a loucura figuram a transgressão, mas também o lugar onde se procura dar sentido ao que não se apresenta como possibilidade de representação.
Bibliografia
- Aumont, J. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo, SP: Cosac & Naify, 2011.
Bakhtin, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Huitec; Editora Universidade de Brasília.
Connelly. F. S. The grotesque in Western art and culture the image at play. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.
Costa, J. B., et al. Cinema e pintura. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, Museu do Cinema, 2005.
Foucault, M. História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 2010.
Kayser, W. O grotesco. Configuração na pintura e na literatura. São Paulo: Perspectiva, 2003.
Moraes, F. A. A Arte-Soma de José Agrippino de Paula. São Paulo: Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2011. p.164. Dissertação de Mestrado.
Ramos, F. Cinema marginal (1968-1973): a representação em seu limite. São Paulo: EMBRAFILME/ Ministério da Cultura, 1987.
Rossiter, K. C. Bosch and Brant: Images of Folly. Yale University Art Gallery Bulletin, 1973, vol. 34, n. 2