Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Guilherme de Souza Castro (UAM)

Minicurrículo

    Mestre em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi/SP, graduado em Jornalismo e Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atua como produtor, roteirista e diretor de audiovisual e no ensino principalmente dos seguintes temas: cinema, roteiro, direção, televisão e documentário. Alguns trabalhos e textos podem ser vistos em www.guilhermecastro.org.

Ficha do Trabalho

Título

    Produção de presença e cinema, em Central, Rifle e Cidades fantasmas.

Resumo

    O estudo é sobre as relações entre o cinema e a produção de presença, conforme teoria desenvolvida por Gumbrecht (2010). Em Central (documentário, Tati Sager, 2017), Rifle (ficção, Davi Pretto, 2017) e Cidades fantasmas (documentário, Tyrell Spencer, 2017), filmes brasileiros realizados no Rio Grande do Sul, os efeitos estéticos de intensidade, tais como os Stimmungen, são potencializados por estratégias cinematográficas que comprometem o espectador com os pontos de vista e a voz da narrativa.

Resumo expandido

    Narrativas são modos de contar histórias que levam o público/leitor/espectador a acompanhar a apresentação, compreendendo a trama, o que pode ser dito produção de sentido, e, na mesma experiência de leitura/assistência, vivenciando estados emocionais relacionados mais à descrição do que aos acontecimentos em si, o que pode ser compreendido como produção de presença, conforme leitura que faço de Hans Ulrich Gumbrecht (2010). Para a experiência de proximidade e o sentir-se tocado, em um componente de materialidade necessário à produção de presença, convergem o ponto de vista e a voz narrativa, ou seja, o posicionamento da onde se observa e a perspectiva com que se dá a conhecer os fatos da intriga (Ricoeur, 1994). Em cinema, a produção de presença é reforçada porque há um olhar privilegiado, que se aproxima, passeia e observa a cena, sempre a partir de pontos de vista que pressupõem, incluem e posicionam o sujeito que assiste (Xavier, 2003). Conforme a construção narrativa, o espectador se engaja, é agente e objeto, uma vez que toma parte “dos posicionamentos e efeitos espaciais/temporais do contar” (Browne, 2005, p. 249). Assim, são possibilitados os liames que cada um a seu modo estabelece entre si mesmo e os filmes, o que pode se traduzir por ‘estar sujeito à experiência estética’, ou seja, a “certas sensações de intensidade que não encontramos nos mundos históricos e culturalmente específicos do cotidiano em que vivemos” (Gumbrecht, 2010, p. 128). Para este estudo, são analisados três filmes brasileiros realizados no Rio Grande do Sul: Central (documentário, dirigido por Tati Sager, 2017), Rifle (ficção, dirigido por Davi Pretto, 2017) e Cidades fantasmas (documentário, dirigido por Tyrell Spencer, 2017).
    Em Central, a potência cinematográfica está no modo presente e vivo em que se transforma o discurso de conteúdo, pois, mais do que compreendido, o drama carcerário é sentido pelo espectador como percepções a partir de olhares internos ao presídio de Porto Alegre. Neste filme, a ambiência insalubre e violenta é carregada pela articulação das perspectivas a partir de lados opostos da linha divisória entre os espaços controlados pelas organizações criminosas e pela força policial do Estado, ou seja, entre as imagens realizadas com capricho e técnica pela equipe e o olhar dos próprios presos, nas imagens feitas por eles mesmos, de modo cru e direto.
    Rifle constrói a vastidão horizontal e o silêncio ventoso dos campos do Sul através do ponto de vista um jovem que trabalha e vive com uma família empobrecida, disposta a vender a pequena posse e seguir para a cidade. O avanço dos plantadores de soja, o movimento de gente, máquinas, automóveis e caminhões que surgem perturbam o personagem ao ponto de uma espécie de surto violento em reação às transformações ameaçadoras. O olhar da câmera identificado à psicologia e à urgência do protagonista confere à narrativa incompletudes e incertezas, o que convoca a participação do espectador, ao mesmo tempo em que o sentimento de perda do lugar de origem é compartilhado em efeitos de Stimmung.
    Em Cidades fantasmas, a condução da narrativa é pelas memórias de sobreviventes, registradas em visitas às ruínas de antigos lares atingidos por diferentes tragédias. Além das fotos de época das cidades ainda com vida, as imagens do filme, cujos movimentos em passeios lentos e longos, quadros em composições bem equilibradas e luzes naturais enfatizam a beleza das ruínas visitadas e lembradas com afetos. No filme, os efeitos de produção de presença são reforçados quando é trazido ao presente a percepção de um doloroso tempo passado.
    Central, Rifle e Cidades fantasmas apresentam estratégias narrativas audiovisuais que posicionam o olhar do espectador no interior das cenas, o que promove a identificação com personagens, situações e ambientes (Browne, 2005), como fator que favorece a produção de presença e a intensidade das experiências estéticas no modo de construção dos filmes.

Bibliografia

    BROWNE. Nick. O espectador no texto: a retórica de No tempo das diligências. In: Pessoa Ramos, Fernão (Org.). Teoria contemporânea do cinema. São Paulo: Senac, 2004.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera, ambiência, Stimmung: sobre um potencial oculta da literatura. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2014.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Corpo e forma. Rio de Janeiro: EdUerj, 1998.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro, Contraponto/PUC Rio, 2010.
    LYRA, Bernadette. A nave extraviada. SP: ANNABLUME: ECA-USP, 1995.
    MACHADO, Arlindo. O enigma de Kane, IN: O sujeito e a tela. São Paulo: Paulus, 2007.
    NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, SP: Papirus, 2005.
    RAMOS, Fernão pessoa. Mas afinal, o que é mesmo documentário? SP: SENAC, 2008.
    RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Campinas, SP: Papirus, 1994.
    XAVIER, Ismail. O olhar e a cena. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.