Ficha do Proponente
Proponente
- Luíza Zaidan (UNICAMP)
Minicurrículo
- Graduada em Artes Cênicas pela UNICAMP. Sua formação inclui pós-graduação na Università Roma Tre (2016), além de cursos no Centro Sperimentale di Cinematografia (Itália, 2015) e na EICTV (Cuba, 2014). Dirigiu os documentários FuoriCampo (Itália, 2017) e MONA (Brasil, 2019). Atualmente, desenvolve a pesquisa de mestrado “Documentários de Conversa”: ator, personagem e auto-mise-en-scène no cinema de Eduardo Coutinho, na UNICAMP, onde analisa o trabalho do ator dentro do domínio do documentário.
Ficha do Trabalho
Título
- Coutinho ator em “Ultimas Conversas”
Seminário
- Corpo, gesto e atuação
Resumo
- Apoiando-se na bibliografia dos estudos atorais e na noção de auto-mise-en-scène (sob a perspectiva de Comolli), a comunicação pretende analisar a atuação de Coutinho em “Ultimas Conversas”, investigando o programa gestual que inscreve o corpo do realizador na imagem e na banda sonora do filme.
Resumo expandido
- Investigando a obra de Eduardo Coutinho, Ultimas Conversas (2015) merece atenção quando se pensa sobre a materialização da figura do cineasta no texto fílmico. O documentário é uma espécie de inventário que escancara na tela um método, suas escolhas de direção e, principalmente, a maneira como Coutinho se autorrepresenta diante da equipe e dos entrevistados. Na presença concreta do corpo do cineasta, surge a perspectiva de uma análise calcada na figura de Coutinho como um ator que representa um papel. Aqui, entra em jogo sua persona, através da maneira como ele escolhe ocultar ou explicitar sua presença; do seu tom de voz característico; suas interferências nos depoimentos – fazendo perguntas ou mesmo comentando o que é dito.
No livro Acting in the Cinema, Naremore estabelece alguns níveis de jogo cênico: “As pessoas, em um filme, podem ser vistas em três diferentes sentidos: como atores interpretando personagens, teatralmente; como figuras públicas fazendo versões teatrais de si mesmos; e como evidências documentais” (1988, p.15). No caso de Últimas Conversas, pode-se dizer que Coutinho aparece como ator que representa sua figura de documentarista (reconhecível aos olhos do espectador), mas também como testemunha do encontro com os entrevistados, com quem negocia as bases da relação captada pela câmera.
Analisando Jogo de Cena (2007), Mariana Baltar afirma que o diretor passa a se fabular como “um personagem de seus filmes, constituindo-se como o grande elemento de continuidade da narrativa, baseando em tal fato a autoridade (testemunhal) sobre a qual se estruturam seus filmes”. (2010, p. 225). Assim, pretendemos investigar o programa gestual desse Coutinho ator (que compõem personagens) bem como suas estratégias para construir e articular sua persona em Ultimas Conversas.
Partindo de estímulos dos estudos atorais e da noção de auto-mise-en-scène (sob a perspectiva de Comolli), a comunicação pretende traçar uma análise da atuação de Coutinho em Ultimas Conversas, refletindo sobre como sua voz, gestos e ações inscrevem o corpo do realizador na imagem e na banda sonora. A presença de Coutinho, ao longo do filme, é mais opressiva do que nos trabalhos anteriores. Ouvimos sua voz interrompendo o silêncio das personagens, completando suas respostas. Em vários momentos o corpo do cineasta invade o enquadramento, rompendo um limite físico que antes costumava apartar a cadeira do diretor daquela do entrevistado: ele estica as mãos para apanhar um objeto, para cumprimentar alguém ou indicar um movimento da mise-en-scène. Vez ou outra, a câmera é obrigada a corrigir sua angulação, para filmar o corpo de Coutinho que participa da ação, improvisadamente. Ao deixar na montagem final as cenas de bastidor que revelam as pegadas de seu método, a mise-en-scène do filme alarga o espaço para essa esfera da autorrepresentação do Coutinho cineasta, em confronto com a autorrepresentação de um Coutinho mais humano, um senhor que se cansa do trabalho ou se envolve afetuosamente com determinadas personagens.
A comunicação pretende também lançar um olhar retroativo para a cinematografia de Coutinho, no que diz respeito à condução dos entrevistados. Buscaremos em seu método as marcas que denunciam certa evolução na proximidade que o cineasta estabelece com os corpos que filma. No artigo O Canto dos Mortos, Andrade descreve como se dá essa relação em As Canções (2011), colocando filmes precedentes em perspectiva: “Até Jogo de Cena, as entrevistas de Eduardo Coutinho estavam muito mais próximas de confrontos do que de duetos”. (2013; p. 656). Pretende-se aprofundar a análise de Andrade, propondo uma escala de intimidade na relação entre documentarista e documentado, no que chamaremos de filmes de ENTREVISTAS; de DIÁLOGOS; DUETOS e CONSULTAS. Compreenderemos que o modo como se apresenta o Coutinho ator, nas diferentes fases de sua cinematografia, influi diretamente no momento do encontro com a personagem e conforma a mise-en-scène do filme.
Bibliografia
- ANDRADE, Fábio. O Canto dos Mortos: As Canções de Eduardo Coutinho. In: OHATA, Milton (org). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify; SESC, 2013. p.649 – 657.
BALTAR, Mariana. Cotidianos em performance: Estamira encontra as mulheres de Jogo de Cena. In: MIGLIORIN, Cezar (org). Ensaios no real. Rio de Janeiro: Azougue, 2010. p. 217 – 234.
BEZERRA, Cláudio. A personagem no documentário de Eduardo Coutinho. Campinas: Papirus, 2014.
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e Poder: A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
FRANCE, Claudine. Cinema e antropologia. Campinas: Unicamp, 1998.
NAREMORE, James. Acting in the cinema. Berkeley: University of California Press, 1988.
NACACHE, Jacqueline. O Ator de Cinema. Lisboa: Texto & Grafia, 2012.